Opinião Jurídica: A penhora do estabelecimento empresarial
Nos últimos anos, essencialmente com o atual Código Civil, o legislador se encorajou, inspirado no código italiano, para enfim perceber o dinamismo e profundidade dos perfis funcionais de uma empresa, delineados primeiramente pelo jurista Alberto Asquini quando definiu o fenômeno da empresa como sendo poliédrico, podendo ser conceituada sob diferentes aspectos que, relacionados entre si, traduzem a nítida ideia de organização dos fatores de produção.
Enquanto que para aqueles imediatistas e ligados essencialmente a conceitos positivistas tal fenômeno pode parecer uma filosofia abstrata, é necessário desde logo ressaltar que a visão de Asquini nada mais representa do que aquilo que se vê a todo instante na prática dos que sonham em manter uma estrutura sólida, geradora de renda e trabalho. Mas que, no entanto, enfrentam diariamente as consequências de entendimentos jurisdicionais e doutrinários até certo ponto retrógrados.
À luz do nosso atual sistema empresarial, a empresa representa a atividade econômica exercida pelo empresário e o estabelecimento se configura como objeto imprescindível para a realização dessa atividade, sendo conceituado diante da redação do artigo 1.142 do Código Civil como um conjunto de bens que de modo organizado se presta à funcionalidade da própria atividade organizada. Em que pesem as divergências doutrinárias que ainda pairam sobre o tema específico do estabelecimento e sua classificação, correto dizer atualmente ser ele uma universalidade, de modo que se impede enxergá-lo como um bem isolado representativo de um imóvel, ou único bem corpóreo e incorpóreo. Tanto é assim que o próprio legislador no intuito de destinação concebeu o estabelecimento como objeto unitário de direitos.
Neste ponto, é de se ressaltar que o estabelecimento faz parte integrante do patrimônio, não se confundindo, evidentemente, com o total reunido pelo empresário. Entretanto, numa economia que ainda se sobressai pela organização familiar e de destinação própria da renda, não é incomum perceber o estabelecimento como parcela muito próxima da totalidade do patrimônio externo do qual o empresário se utiliza. Portanto, é de se indagar: quando a lei cria a figura de uma universalidade destinada a propiciar a organização dos fatores de produção, estará ela criando realmente uma segurança ao exercício da atividade através de um "patrimônio de afetação" ou ao contrário, estaria ela retirando justamente a segurança e limitando o enquadramento da atividade empresária? A resposta vem sendo delineada no corrente ano, precisamente com a Súmula nº 451 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que assim aventou sobre a possibilidade de penhora do estabelecimento empresarial.
O colendo tribunal superior através da redação simplista dada ao verbete parece ter entendido para a desvinculação do estabelecimento da atividade empresarial. Se assim não fosse, não poderia ser considerado como legítima a possibilidade de penhora do estabelecimento seja de sua sede ou não, ainda mais se levarmos em conta que no Brasil coexistem ao macro sistema a multiplicação do número de sociedades familiares, que detém unicamente uma sede como um dos elementos organizativos da atividade.
A possibilidade de penhora sobre o estabelecimento representaria o fim de uma parte da organização. O fim, portanto, de um dos conceitos brilhantemente vislumbrados por Asquini quando do estudo poliédrico da empresa. Como se admitir a legalidade da penhora da sede do estabelecimento quando nesta funcionar essencialmente a atividade empresária? Como se admitir a desvinculação daquilo que o nosso próprio ordenamento consagrou como conjunto de bens organizados, universalidade que em si traduz a capacidade de organização da atividade empresária, universalidade esta objeto unitário de direitos?
Parece-me precipitada a redação da aludida súmula se não interpretada de modo a possibilitar a desvinculação de apenas determinados bens que não sejam essenciais ao objeto da atividade de empresa. A interpretação da Súmula 451, portanto, não pode estar ligada exclusivamente no conceito de estabelecimento como universalidade, de modo a não restar obstaculizado o exercício da atividade econômica prestigiada pelo atual direito empresarial.
A redação dada a um entendimento jurisprudencial, se não for passível de interpretação razoável do seu aplicador, ensejará mais uma vez a crescente possibilidade de decisões desastrosas para o desenvolvimento econômico, como já representam hoje a possibilidade de penhora das quotas em sede de execução e a excessiva e desmedida aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Só persistirá a justiça se esta puder ser razoavelmente interpretado à luz do desenvolvimento social. O direito não há de ser cego!
Scilio Faver é professor de direito empresarial e advogado associado ao escritório Vieira de Castro & Mansur Advogados
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Fonte: Valor Econômico
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