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Confissão de dívida não impede discussão judicial do tributo

Um importante aliado do contribuinte que se encontra em débito perante o fisco é o parcelamento tributário, em suas diversas modalidades. Inclusive, uma situação que já virou praxe do governo federal é a criação, de tempos em tempos, de parcelamentos especiais de débitos tributários, no intuito de reduzir a inadimplência dos contribuintes e possibilitar a regularização dos mesmos no âmbito federal.
Recentemente, como de conhecimento geral, o governo federal, motivado pela crise econômica que atingiu praticamente todo o mundo no último ano, gerando dificuldades financeiras para várias empresas, por meio da Lei 11.941/09 criou um novo parcelamento especial batizado de Refis da crise, o qual se encontra regulamentado pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional por meio da Portaria Conjunta PGFN/RFB 6, de 22 de julho de 2009.
Aderindo ao parcelamento de débitos fiscais, automaticamente, ocorre a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, suspendendo-se o curso de eventuais processos de execução fiscal ou impedindo o ajuizamento de novos processos, caso o mesmo ainda não tenha ocorrido. Assim sendo, é afastada a situação de inadimplência do contribuinte, sendo o mesmo considerado regular perante a Fazenda Pública e sendo-lhe possível a emissão da tão esperada Certidão Negativa de Débitos (CND).
Ocorre que a legislação reguladora dos parcelamentos prevê expressamente que a confissão dos débitos pelo contribuinte deve ser irretratável, ou seja, que a partir daquele momento não poderá mais o devedor discutir aqueles valores ali confessados.
Entretanto, muitas vezes o pedido de parcelamento é realizado diante da ação fiscalizadora do fisco, ou sob a pressão do prazo estabelecido pelo ente federado para adesão aos mesmos - como no caso de parcelamentos especiais como o Refis, Paes ou Paex e do "Refis da crise. Diante dessas situações e para não perder o direito ao parcelamento, o contribuinte se vê obrigado a incluir no montante declarado tributos dos quais discorda e outros que futuramente podem vir a ser declarados ilegais ou inconstitucionais pelos tribunais.
O que fazer nesses casos? Como o significado de irretratável é aquilo que não pode ser desfeito ou revogado, a conclusão a que se chega a princípio é que, se o contribuinte confessou que deve a quantia declarada no parcelamento, não poderá posteriormente discutir tal débito. Contudo, tal entendimento está de todo equivocado.
O que faz surgir o tributo não é a declaração do contribuinte ou a vontade da administração pública, mas sim a ocorrência do fato gerador previsto na lei. Em outras palavras, apenas caso ocorrida a situação que a lei define como geradora do tributo é que o mesmo poderá existir juridicamente. Isso não pode ser modificado nem por vontade do contribuinte, nem por exigência do fisco, por motivos de ordem constitucional.
A Constituição Federal determina que seja vedado à União, estados, municípios ou Distrito Federal exigir tributos sem lei que os estabeleça. E o que faz surgir o tributo na ordem jurídica é a ocorrência do fato gerador, ou seja, a situação prevista em lei que determina sob quais fatos incide o tributo. Assim, caso não configurado o fato gerador, nem mesmo a vontade do contribuinte pode fazer surgir o tributo.
Exemplifiquemos a questão: se um contribuinte declara que recebeu no ano R$ 100 mil e recolhe o Imposto de Renda (IR) sobre tal montante, tendo ele recebido apenas R$ 10 mil, tal situação não fez surgir o imposto sobre o valor declarado. Diante disso, apesar de ter declarado e recolhido de livre e espontânea vontade o imposto sobre aquele montante, pode o contribuinte reaver o valor pago a maior, pois, sem a ocorrência do fato gerador, que no caso desse imposto é o recebimento de renda ou outros acréscimos patrimoniais, não existe o tributo.
E tem mais: se uma lei é ilegal ou inconstitucional, ou se o contribuinte é beneficiado pelas hipóteses de não incidência tributária ou isenção, não há que se falar em existência de tributo e, por tal motivo, não pode a confissão vedar a discussão do débito pelo interessado.
Assim, qual seria o valor da confissão nos parcelamentos tributários? A resposta é bastante simples. A partir da confissão, não poderá o contribuinte simplesmente retificar a informação apresentada ao fisco buscando corrigir o erro de sua declaração. Caso entenda que o tributo confessado não é devido, caberá a ele ingressar em juízo e provar tal situação. E há que se dizer que qualquer norma fazendária que tente impedir o direito do contribuinte de discutir judicialmente o débito será inconstitucional, pois violará o livre acesso ao Judiciário, o qual é garantido constitucionalmente. Tal situação, inclusive, já foi reconhecida por diversas decisões de nossos tribunais.
Vários julgados existem nesse sentido, valendo citar trecho de decisão em recurso que tramitou perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "A confissão de débito, feita como condição do respectivo parcelamento administrativo, não impede sua discussão, porque a obrigação tributária resulta de lei, nada valendo o crédito tributário que dela destoe".
Posto isso, conclui-se que é direito do contribuinte que se sentir lesado por determinado tributo ingressar contra o mesmo perante o Judiciário, independentemente da existência de parcelamento de débitos fiscais com cláusula de irretratabilidade, sendo abusiva qualquer norma que tente coibi-lo a exercer tal direito.

Fonte: Notícias Fiscais

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