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Reforma do PIS-Cofins, sem chororô

Em boa hora o governo federal coloca na pauta de reformas a unificação de PIS e Cofins e sua transformação em verdadeiro imposto sobre o valor adicionado (IVA). Entre os mais de 150 países que já adotaram um IVA, o Brasil aparece como retrógrado devido a excesso de alíquotas, penalização de certos setores, oneração do investimento e da exportação, falta de transparência e outros equívocos de desenho.

Tudo isso entrava a produção, a exportação, o emprego, a geração de renda. Aumenta o custo Brasil, torna-nos menos competitivos. Não deveria haver dúvida de que a modernização do PIS-Cofins devia vir o quanto antes possível. Nenhum dos argumentos brandidos contra essa reforma tem consistência. Senão, vejamos.

1. “Setores que hoje pagam alíquotas menores seriam onerados”.

A ideia de um imposto geral sobre bens e serviços, de que é espécie o IVA, é tributar uniformemente o consumo. Tal qual a maré alta que levanta igualmente todos os navios, o IVA não discrimina entre bens e serviços. Claro que alguns bens, e particularmente serviços hoje com alíquotas reduzidas, seriam mais tributados. Mas também é certo que, mantido o nível de arrecadação anterior, aplicar alíquota única reduziria a carga dos setores que hoje são mais onerados.

Na verdade o IVA– e o novo PIS-Cofins, qualquer que seja o nome que venha a ter, deve ser do tipo IVA–não onera setores nem empresas. Onera apenas o consumidor. As empresas só o repassam. Nem o imposto que cobram do comprador constitui receita delas nem o imposto que pagam nas aquisições constitui custo ou despesa. As empresas são meros agentes de retenção do governo federal. Simples assim.

2. “Se houver aumento de alíquotas, exportações de bens e serviços serão menos competitivos”.

A grande vantagem do IVA, em relação à situação atual de muita cumulatividade no PIS-Cofins, é a de exonerar totalmente as exportações. A competitividade será assegurada também pela aplicação da alíquota interna a todas as importações.

3. “A transição para o regime de tributação uniforme será difícil para o setor de construção”.

De fato, não é simples integrar plenamente o setor de construção no IVA. Por isso, alguns países, ao introduzir o IVA, deixam de lado o setor de construção, integrando-o anos depois. O setor de construção pode ser, portanto, tratado, no início, como consumidor final, isto é, não retém imposto nem se credita do imposto que paga.

Bancos comerciais e outras instituições financeiras normalmente pagam IVA como consumidores finais, não como elos da cadeia produtiva. A razão aqui é outra: ainda não se dispõe de tecnologia para identificar o valor adicionado na intermediação financeira (com spread).

As empresas precisam de tempo na transição para o imposto unificado. Doze meses é tempo suficiente para ajustar sistemas e processos sem açodo. O tributo tendo periodicidade mensal, a mudança não precisa esperar um “primeiro de janeiro”.

4. “PIS e Cofins têm objetivos distintos e receitas vinculadas a programas diferentes, dificultando sua fusão”.

Enquanto tributos–e ambos são considerados tributos para todos os fins–PIS e Cofins são, ou podem ser, completamente idênticos. Já a destinação da receita tributária responde a considerações de despesa pública. A manutenção da vinculação da receita do novo imposto aos programas anteriores é questão de mera aritmética.

5. “Na fixação da alíquota para o imposto que resultar da fusão de PIS e Cofins, o governo federal pode mascarar um aumento da carga tributária”.

É possível calcular razoavelmente a nova alíquota única de modo a replicar com pequena margem de erro a arrecadação obtida pelos múltiplos regimes atuais. Se não houver confiança na alíquota proposta, ou se simplesmente a arrecadação resultante discrepar muito dos níveis calculados, é possível estabelecer dispositivo de revisão tal que a alíquota seja aumentada ou reduzida se a arrecadação observada nos primeiros doze meses do novo imposto, em termos reais, tiver desvio de mais de x% em relação à do ano anterior.

É possível que haja necessidade de aumentar efetivamente a arrecadação tributária como parte de ajuste fiscal. Para isso é preferível recorrer a um imposto geral que a impostos parciais, que distorcem os preços relativos da economia. Mas a fusão de PIS e Cofins em um IVA não deveria envolver aumento de carga tributária. Num segundo momento, se necessário, governo e parlamento poderiam tratar de aumentar a arrecadação com transparência.

6. “A fusão traria mais ruído ao sistema tributário e aumentaria o custo das empresas, que precisariam desenvolver novos sistemas”.

É certo que todo novo sistema traz custos de adaptação (novos sistemas e rotinas, treinamento etc.). Mas esse seria um custo único, já que um sistema geral e uniforme tornaria desnecessárias alterações frequentes na legislação.

A simplificação viria da desnecessidade de distinguir bens de serviços, que hoje geram horrendo contencioso. Da desnecessidade de estudar merceologia ou ciência de classificar mercadorias, visto que todas elas estariam sujeitas à mesma alíquota. Do destaque do imposto na nota fiscal, que identificaria facilmente quem é contribuinte do imposto e eliminaria distorções hoje existentes no débito (vendas) com alíquota diferente daquela empregada no crédito (compras).

Simplificação viria também do crédito de todo PIS-Cofins pago, o que colocaria no cesto da história o famigerado critério de “crédito físico”. E ainda do abandono do nefasto método de cálculo do imposto “por dentro” usado só no Brasil (e na Bolívia, que copiou de nós).

A fusão de PIS e Cofins e sua conversão em imposto sobre o valor adicionado é de alto interesse nacional. Vai remover muitas distorções do sistema tributário, reduzir de muito o contencioso e baixar o custo de cumprir as obrigações.

Merece o apoio dos formuladores de política, dos agentes econômicos, de todos os segmentos da sociedade brasileira. Trabalhemos juntos para que esse projeto se torne realidade.

Por Isaias Coelho

Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP, consultor tributário internacional, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), doutor em economia pela Universidade de Rochester.

Fonte: Jota

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