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Artigo: Efeitos da fiscalização mal empreendida

E agora José? A dúvida angustiante, retratada em poema imortalizado por Carlos Drummond de Andrade poderia espelhar com propriedade situações vividas por contribuintes que se tornam vítimas de fiscalizações mal empreendidas pelos representantes da Fazenda.
 
A despeito dos princípios que disciplinam a atuação dos agentes fiscais, não raro se vislumbra a prática de ações fiscais maculadas por presunções e ilações que colidem frontalmente com tais princípios, deflagrando penalidades pecuniárias e medidas que veiculam constrição de bens integrantes do patrimônio do contribuinte injusta ou precipitadamente apenado pelo aparato repressor do Fisco.
 
Os resultados são perversos e irreparáveis aos contribuintes de boa-fé, sempre partindo da inexistência de irregularidades ou que sequer tenham sido apontadas com propriedade pelos agentes fazendários ou ainda que tenham sido derrubadas no curso do contraditório então instaurado.
 
Bem por isso, o cerne do presente artigo busca indagar de que maneira os danos causados ao contribuinte injustamente afetado podem ser reparados pelo Estado.
 
Para tanto há que se perquirir as possíveis causas geradoras de ações fiscais muitas vezes desastrosas e atabalhoadas e que acabam por "entulhar" e engessar a máquina administrativa.
 
Como tal, os candidatos às vagas para auditor fiscal, muitas vezes possuem formação acadêmica desvincula da realidade a ser enfrentada na consecução de suas tarefas. Assim é que candidatos oriundos da área biomédica, por exemplo, legitimam-se a ser empossados como fiscais fazendários. De outra banda, o Estado revela-se incapaz de sanar a deficiência na formação de tais agentes.
 
Os cursos de formação de fiscais, como a Escola Superior de Adminstração Fazendária, que eram centros de excelência no aperfeiçoamento profissional, hoje restam esvaziados, pela redução de recursos e pela utilização recorrente de ferramentas eletrônicas, no âmbito do "extrativismo fiscal", por meio do qual o Fisco delega aos contribuintes a tarefa de fiscalizar e arrecadar impostos.
 
O ordenamento não pode ser conivente com a violação a princípios básicos

A sujeição do contribuinte a uma infinidade de obrigações acessórias deixa o Fisco em posição de conforto para apenas exigir e impor sanções pecuniárias. A banalização do uso de tais ferramentas empobrece a qualidade das peças punitivas produzidas pelos agentes fazendários, dificultando até mesmo a produção de defesas por parte dos contribuintes, resvalando em hipóteses de cerceamento de defesa.
 
Aberrações vêm sendo pugnadas pelo Estado à luz da necessidade sempre premente de arrecadar cada vez mais para fazer frente aos gastos públicos.
 
O que dizer da decretação judicial de indisponibilidade de bens baseada em demanda administrativa nem sequer concluída e repleta de vícios formais e materiais? Como poderá o contribuinte continuar pagando seus impostos e os salários de seus colaboradores se o Poder Judiciário, a pedido do Fisco, decretar o congelamento de seus bens e ativos financeiros?
 
Como sustentar a legitimidade de ação fiscal perpetrada a partir de operação deflagrada pela Policia Federal, depois sepultada pelo Ministério Público e Poder Judiciário, mas que mesmo assim produziu nefastos efeitos contra o contribuinte, que dispensou colaboradores e interrompeu o curso de seus negócios por força da decretação da indisponibilidade de seus bens?
 
Como validar o redirecionamento de execução fiscal com base em presunções lançadas pelo Fisco e seus defensores contra terceiro que sequer figurou no polo passivo de processo administrativo destinado a constituir definitivamente o crédito tributário?
 
Por certo que os instrumentos colocados à disposição do Fisco pelo ordenamento jurídico vigente legitimam a punição ao contribuinte que burla o Fisco em práticas evasivas. Entretanto, este mesmo ordenamento não pode ser conivente com a violação a princípios básicos conferidos ao contribuinte de boa-fé, como o direito de defesa, do contraditório e da busca da verdade material.
 
Há que se preservar a vinculação à lei e a temperança no trato das questões de ordem pública e neste contexto a arrecadação fiscal está inserida. Ao revés, ressuscitaremos nefastas práticas há muito combatidas e rejeitadas pela Suprema Corte mesmo nos períodos mais sombrios da nossa história.
 
Em primaveras democráticas, o saudoso mestre Geraldo Ataliba já cobrava uma postura mais ativa e altiva por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), quando da apreciação de temas fiscais controversos. Certamente, se vivo estivesse, o prestigiado jurista cobraria mais rigor técnico no acolhimento das medidas restritivas e constritivas de direitos aplicadas contra os contribuintes de boa-fé.
 
Paulo Sigaud é especialista em direito tributário do Aidar SBZ Advogados.
 
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Valor Econômico

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