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Artigo: Abstenção de voto em recuperação judicial

A nova Lei de Recuperação Judicial e de Falências (nº 11.101, de 2005) traduz o esforço do legislador em consolidar um princípio nuclear de recuperação. Tal princípio é o de garantir ferramentas e possibilidades para o soerguimento da recuperanda.

De acordo com ela, o poder de decisão para aprovação ou não do plano de recuperação judicial, já apresentado em juízo e, que cumpra devidamente as disposições da lei, cabe exclusivamente aos credores da empresa alvo do processo de recuperação judicial. Em linhas gerais, os credores, reunidos em assembleia geral, deliberam sobre a aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pela recuperanda. Uma vez reunidos em assembleia, pode ocorrer, que um ou mais credores presentes, independentemente de motivo, optem por se abster do exercício de seu direito de voto.

A Lei de Recuperação e Falências é omissa sobre essa questão, apesar de sua enorme relevância prática. Tal fato leva ao intérprete a árdua tarefa de buscar uma solução para saber se o valor crédito, bem como a presença do credor que se abstém do exercício do seu direito de voto, devem ser ou não considerados no quórum de deliberação.

O artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro determina que, quando a lei for omissa, caberá ao juiz decidir o caso de "acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito", sem que haja, necessariamente, prevalência de um desses critérios sobre os outros. O Código de Processo Civil (CPC), acompanha o citado artigo, determinando que o juiz jamais poderá se eximir de se manifestar alegando lacuna ou omissão legal, devendo, quando necessário, recorrer à analogia, conforme disposto no artigo 126 da Lei nº 5.869 (Código de Processo Civil), de 11 de janeiro de 1973.

A analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante. Ou seja, consiste na aplicação de uma norma, que se refere a outro instituto semelhante, na falta de texto legal expresso para o caso específico. O artigo 129 da Lei nº 6.404 (Lei das Sociedades Anônimas), de 1976, que prevê que "as deliberações da assembleia-geral, ressalvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco", é o dispositivo que melhor se encaixa para que possamos cumprir a regra da interpretação analógica. É de notar também a punição, contida no artigo 118, parágrafo 9º, da Lei das Sociedades Anônimas que permite o uso, pela parte prejudicada, dos votos dos acionistas vinculados por acordo de acionistas que se abstiverem de votar. Em conclusão, a abstenção é vista pelo legislador como algo nocivo, devendo o seu efeito ser anulado.

A abstenção não deve ser considerada para o quórum de deliberação

Por sua vez, a Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) sabiamente adotou a mesma posição, decidindo, nos Embargos de Declaração nº 429.622.4/5-02, em recurso envolvendo Parmalat Brasil (em recuperação judicial) e Deutsche Trustee Company Limited, por aplicar analogicamente o artigo 129 da Lei das Sociedades Anônimas à reunião de credores. "Diante da importância da deliberação sobre o plano de recuperação judicial e atento ao princípio maior da recuperação da empresa, que informa a Lei nº 11.101/2005, e que não tem regra própria para a hipótese de credor presente à assembleia que se abstenha de votar, deve-se aplicar, nos termos do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, por analogia, o disposto no artigo 129 da Lei das Sociedades Anônimas, in verbis", diz a decisão. "As deliberações da assembleia geral, ressalvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco."

O credor que se abstém de votar, tem o mesmo efeito do que vota em branco. É esse o entendimento do professor Modesto Carvalhosa: "O quórum de deliberação é formado unicamente por aquelas ações votantes que efetivamente se manifestarem sobre a proposta respectiva a favor ou contra. Exclui-se deste cômputo os votos em branco, neles compreendidos os que nada declararam, os que se abstiveram ou os que votaram fora da matéria em pauta." Assim, a abstenção de voto do credor não deve ser considerada para o quórum de deliberação. Evita-se assim, premiar a influência positiva ou negativa de quem se omitiu. Essa influência pode ser até decisiva, a depender do montante total de crédito detido pelo credor que se abstém.

Logo, pelos princípios, doutrina e jurisprudência analisada, concluímos que a aplicação analógica do artigo 129 da Lei das Sociedades Anônimas, ao quórum de deliberação de assembleia geral de credores, é a forma juridicamente correta e eficaz de dirimir dúvidas e potenciais conflitos decorrentes de abstenção de voto de credor.

António Aires e José Pedro Gevaerd são, respectivamente, sócio do setor bancário e estagiário do Demarest & Almeida Advogados.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Valor Econômico

 

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