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Artigo: A Ação Penal n. 470 e o risco empresarial

Neste mesmo espaço já foi possível especular sobre o alcance que os programas de compliance receberiam no julgamento do mensalão. A principal dúvida era mesmo se o cumprimento dos deveres de comunicar às autoridades de regulação financeira seria idôneo a afastar a responsabilidade por lavagem de dinheiro. Fosse assim, os programas de compliance estariam atuando como importante mecanismo de prevenção à lavagem de dinheiro no âmbito empresarial. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) preferiu mesmo medidas sancionadoras, que trouxeram para o ordenamento jurídico brasileiro o "non-compliance" (descumprimento) como fator que desencadeia repressão penal.
 
Esse modelo um tanto mais "punitivista" parece haver adotado uma lógica estrita entre "cumprimento" e "descumprimento". O simples "non-compliance" foi suficiente para motivar a incriminação. O problema é que a atribuição de responsabilidade nos programas de compliance não é uma operação mecânica. Não é bem assim.
 
Antes mesmo de se servir da punição penal, a observância dos deveres jurídicos vinculados à atividade empresarial poderia recomendar outras modalidades de sanção extrapenais. O "non-compliance" envolve estruturas de comunicação no âmbito empresarial nada fáceis de serem entendidas. Os atos de gestão empresarial podem haver cumprido todos os deveres estabelecidos pela normativa emitida pelo sistema brasileiro de inteligência financeira e, ainda assim, haver praticado lavagem de dinheiro. Assim como nem sempre a falta de cumprimento ou o cumprimento parcial dos deveres traz como consequência uma prática de lavagem.
 
Isso sem falar na dimensão que teriam os casos de erro quanto às estruturas normativas. Como poderiam as instituições financeiras dar conta deste sistema de inteligência, regulado principalmente pelo Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf) e harmonizado com ampla rede normativa advinda, por exemplo, do Banco Central (BC), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou mesmo do Conselho Monetário Nacional (CMN)?
 
Estender as figuras trazidas no artigo 12 da Lei nº 9.613, de 1998, do âmbito puramente administrativo ao penal acaba por introduzir uma situação jurídica equiparada à da lavagem, algo que, pela Lei nº 12.683, de 2012 - a nova Lei de Lavagem -, ganha ainda mais fôlego com a adoção de políticas, procedimentos e controles internos, conforme o inciso III do artigo 10º.
 
Desde qualquer ponto de vista - com maior ou menor aceitação moral do julgamento -, importa é que o Supremo está por chancelar um novo padrão de cultura organizacional nas empresas brasileiras, sobretudo em relação à gestão do risco bancário como forma de prevenção à delinquência econômica. No entanto, esse novo modelo acabou por instaurar um padrão de empreendimento bastante austero, com severas punições pela simples omissão no cumprimento do dever, algo bem pouco recomendável para a vida negocial. Ao engessar o mercado com o cumprimento estrito de deveres, pode afetar a própria capacidade que tem o mercado de estimular o desenvolvimento econômico.
 
É muito provável que para as instituições financeiras e seus empregados esse seja o maior custo do mensalão. A análise econômica dos efeitos do julgamento segue sendo válida. Os efeitos penais dos programas de compliance já fazem parte de nossa realidade e terão seus impactos regulatórios sentidos no mercado.
 
Em um primeiro momento, a preocupação maior é a distribuição dessa responsabilidade penal. A quem atribuir? Ao oficial de cumprimento ("compliance officer"), ao dirigente ou a todo aquele que assumir o papel de garantidor diante do dever de comunicar? E o advogado, deve ele também cumprir o dever de informar? Na dúvida, que os contratos de prestação de serviço não estejam desacompanhados de suas cláusulas de exoneração ("disclaimers").
 
Por isso, a observação do comportamento decisório do Supremo nos permite chegar a duas conclusões preliminares: uma macro, que a atribuição de responsabilidade penal assumiu papel efetivo na regulação do funcionamento do mercado; e outra micro, que as instituições financeiras e seus empregados devem se reestruturar, orientadas por planejamento estratégico de compliance e gerenciamento de risco negocial.
 
Eduardo Saad-Diniz é professor doutor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP)
 
E-mail: eduardo@saaddiniz.com.br

Fonte: Valor Econômico

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