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Responsabilidade penal da pessoa jurídica

O amadurecimento experimentado pelo ambiente de negócios brasileiro nos últimos anos exige do ordenamento jurídico nacional o aprimoramento contínuo de instrumentos que garantam de forma eficaz a lisura das atividades empresariais e o desenvolvimento de um mercado cada vez mais inovador e criativo.
 
Em paralelo ao processo de abertura econômica e ao aumento exponencial da competitividade, assiste-se hoje à disseminação de práticas empresariais que tentam a busca do lucro pela via torta do engano de consumidores ou do próprio mercado. São os atos denominados de concorrência desleal, de que são exemplos a espionagem industrial e a publicidade enganosa. Embora aparentemente adstritos à esfera privada, tais atos são dotados de alto potencial ofensivo e capazes de lesar uma pluralidade de sujeitos e bens jurídicos coletivos.
 
Os atos de concorrência desleal encontram-se atualmente tipificados no artigo 195 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279, de 1996). Embora haja previsão legal de pena de detenção para aqueles que praticam o crime, a realidade é que dificilmente um processo criminal que apure conduta anticoncorrencial culmina em uma condenação. Decorre de nosso sistema penal que a vítima de concorrência desleal necessita ela própria apurar, dentro da estrutura organizacional da empresa que praticou o crime, quem é o verdadeiro responsável pela conduta ilícita, uma vez que somente as pessoas físicas podem ser processadas e punidas na esfera criminal.
 
A inexistência de meios e recursos para se chegar de forma eficaz à identificação do real responsável gera como resultado o número bastante reduzido de sentenças condenatórias, o que aponta para a ineficácia do modelo e, consequentemente, para a impunidade desse tipo de delito.
 
O anteprojeto foi econômico na descrição dos atos de concorrência desleal
 
Por tudo isso, é de se louvar a inovação proposta pelo anteprojeto de Código Penal, elaborado por uma Comissão Especial de Juristas presidida pelo Ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, e recentemente apresentado ao Senado Federal. O anteprojeto prevê, dentre diversas mudanças, a possibilidade de se responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas por crimes praticados contra a administração pública, o sistema financeiro e a ordem econômica, independentemente da responsabilidade de pessoas físicas. Hoje, a responsabilidade penal de uma sociedade empresária é restrita à decorrente da prática de crimes ambientais.
 
Para admitir a possibilidade de penalização da pessoa jurídica, o anteprojeto exige que o crime tenha sido praticado em consequência de decisão do representante da empresa ou de seu órgão colegiado, bem como no interesse ou benefício da sociedade. Dentre as penas previstas, incluem-se a multa, a suspensão das atividades da empresa, a prestação de serviços à comunidade e a proibição de contratação com o poder público.
 
Entretanto, a despeito de toda a novidade e boa técnica do anteprojeto, alguns reparos ainda são necessários na disciplina dos delitos de concorrência desleal. Se, de um lado, tem-se que o texto prevê o aumento das penas de prisão previstas para esses crimes, que passam a ser de seis meses a dois anos; do outro, percebe-se que as penas são ainda inferiores às previstas para os demais crimes contra a propriedade imaterial. Ao crime de violação ao direito de marca, por exemplo, é prevista a pena máxima de prisão de quatro anos. Embora evidentemente a prisão não seja aplicada à pessoa jurídica, o montante da pena é importante para diversos institutos do direito penal, como o cálculo da prescrição e das penas restritivas de direitos.
 
Além disso, devemos mencionar que o anteprojeto foi demasiado econômico na descrição dos atos de concorrência desleal. Se a atual Lei de Propriedade Industrial dedica 14 incisos do seu artigo 195 à tipificação de condutas anticoncorrenciais, o anteprojeto do Código Penal descreve apenas cinco daquelas condutas, deixando inexplicavelmente de fora, por exemplo, o desvio ilícito de clientela.
 
Por fim, o anteprojeto deixou de especificar quais os crimes em que a responsabilidade penal da pessoa jurídica será admitida. Ao se referir genericamente a "atos praticados contra a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente", o texto confere excessiva discricionariedade ao intérprete da futura norma, o que pode vir a se tornar um empecilho à aplicação com eficácia das disposições do novo modelo criminal.
 
Críticas à parte, certo é que as alterações propostas pelo anteprojeto de reforma podem representar importante avanço na repressão de atos anticoncorrenciais. Além disso, consolidam e difundem junto ao empresariado a visão de que também as empresas são responsáveis pelo saneamento da economia e pela proteção da economia popular e do meio ambiente. Supera-se, assim, o modelo de direito penal liberal-individualista, em direção à construção de um sistema que dedica especial proteção aos direitos difusos e coletivos.
 
O texto do novo Código Penal tramitará no Senado Federal sob o nº PLS 236, de 2012. Antes de ser votado pelo plenário, o projeto de lei, de relatoria do Senador Pedro Taques (PDT-MT), será ainda discutido e analisado por uma comissão especial composta por 11 senadores e presidida pelo Senador Eunício Oliveira (PMDB-CE).
 
George Mendonça de Lucena é sócio do escritório Daniel Advogados.
 
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Valor Econômico

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