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Limitação do redirecionamento de cobranças fiscais aos sócios.

RESUMO: A discussão que gira em torno do redirecionamento de dívida tributária para o patrimônio dos sócios ou gerentes ganha outra página, porém a favor do contribuinte. A recente decisão do STJ preceitua que o não funcionamento da empresa no endereço indicado não caracteriza fraude contra o Fisco.

Uma grande decisão a favor dos contribuintes foi proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que tange ao não redirecionamento de cobrança fiscal para os sócios por simples indícios de que a empresa foi fechada irregularmente.

Primeiramente, vale dizer que se defende nos Tribunais o redirecionamento das cobranças fiscais aos sócios ou gerentes nos casos em que a empresa encerra suas atividades irregularmente e os sócios/gerentes pratiquem atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Em nossa opinião, o redirecionamento de exigibilidade fiscal é um instrumento legal e específico em sua aplicação, haja vista que há a desconsideração da personalidade jurídica.

A personalidade jurídica é uma ficção jurídica instituída com o intuito de caracterizar a autonomia da empresa, separando-se o patrimônio societário das pessoas físicas que a dirigem. Ocorre que, em certos casos, por via judicial, desconsidera-se a personalidade jurídica com o objetivo de impor o cumprimento da obrigação para os sócios ou gerentes.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica surgiu na Inglaterra e chegou ao Brasil em meados dos anos 60, principalmente com os trabalhos do jurista Rubens Requião. Atualmente, a teoria é incorporada na legislação nacional pelo Código de Defesa do Consumidor, Código Civil de 2002, bem como pelas Leis de Infrações à Ordem Econômica (Lei 8.884/94) e do Meio Ambiente (9.605/98).

Segundo Domingos Afonso Kriger Filho, a desconsideração é:

 A desconsideração da pessoa jurídica significa tornar ineficaz, para o caso concreto, a personificação societária, atribuindo-se ao sócio ou sociedade condutas que, se não fosse a superação, seriam imputadas à sociedade ou ao sócio respectivamente. Afasta a regra geral não por inexistir determinação legal, mas porque a subsunção do concreto ao abstrato, previsto em lei, resultaria indesejável ou pernicioso aos olhos da sociedade.1

Já Rubens Requião a aponta como sendo o que segue:

 (…) com efeito, o que se pretende com a doutrina do disregard não é a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de o uso legítimo da personalidade ter sido desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar credores ou violar a lei (fraude).2

O STJ considera alguns requisitos para que haja a desconsideração, sendo: fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial entre empresa e sócios, os quais podemos visualizar no acórdão abaixo:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. VIABILIDADE. ART. 50 DO CC/02.

1. A desconsideração da personalidade jurídica é admitida em situações excepcionais, devendo as instâncias ordinárias, fundamentadamente, concluir pela ocorrência do desvio de sua finalidade ou confusão patrimonial desta com a de seus sócios, requisitos objetivos sem os quais a medida torna-se incabível.

2. Do encerramento irregular da empresa presume-se o abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade, seja pela confusão patrimonial, apto a embasar o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para se buscar o patrimônio individual de seu sócio.

3. Recurso especial não provido.3

 

Em nossos dias, há duas teorias aplicadas sobre a desconsideração: a teoria maior e a teoria menor.

A teoria maior, de acordo com o artigo 50, do Código Civil de 2002, baseia-se em requisitos sólidos e concretos de que os sócios agiram com fraude fiscal utilizando a empresa, enquanto que a teoria menor pauta-se na legislação ambiental e da ordem econômica, a qual ocorrendo o dano deve ser reparado mesmo que em ato culposo, ou seja, estando a empresa insolvente basta para a desconsideração da personalidade jurídica. Vejamos o que diz o artigo 50, do CC:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

A teoria menor fundamenta a desconsideração apenas em indícios e quebra a proteção do patrimônio das pessoas físicas, mesmo que não concorreram para o ato fraudulento contra a Administração Pública. Assim, figura-se como uma teoria que deve ser observada com cuidado e que muito é defendida pelo Fisco. Podemos observar a diferença na disciplina apontada pelo artigo 18, da Lei 8.884/94:

Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Nesse sentido, a Fazenda Pública ingressou com Recurso Especial contra decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região que não redirecionou a cobrança fiscal aos sócios da empresa com alicerce na Súmula nº 435, do STJ.

A decisão proferida pelos Ministros da 1ª Turma do STJ, no AgRg REsp 1.268.993/DF, negou prosseguimento ao recurso interposto pela Fazenda e, com isso, flexibilizou-se a Súmula nº 435, que diz:

Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

A Súmula fixa o entendimento de que se torna presumida a dissolução irregular das empresas que deixaram de funcionar no endereço declarado e não comunicam, oficialmente, ao órgão competente, o que possibilitava o redirecionamento para os sócios ou gerentes.

Fica claro que a decisão do Egrégio Tribunal configura uma limitação da atuação do Fisco, bem como na proteção das empresas que apenas alteraram o endereço da sede e não comunicaram à Receita, que não cometeram fraude fiscal.

O Ministro Napoleão Nunes Maia Filho afirmou que somente a certificação do oficial de justiça de que a empresa não funciona no endereço informado é insuficiente para redirecionar a exigibilidade às pessoas físicas – terceiros. Transcrevemos o que relata na decisão:

[...] a inteligência que se deve ter desse enunciado é de que a não localização da empresa no endereço fiscal é indício de sua dissolução irregular, mas, por si só e independente de qualquer outro elemento, é insuficiente para o pronto redirecionamento, que depende de prévia apuração das razões pelas quais tal fato ocorreu, bem como da comprovação do elemento subjetivo na conduta ilícita do sócio.

Atenta-se ao fato de que o Ministro afirma a necessidade de comprovação de elemento subjetivo na conduta do ilícito do sócio, ou seja, a devida verificação e constatação de excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

Nesse diapasão, concordou-se que a Súmula nº 435 deve ser interpretada de modo que haverá apenas o indício de dissolução irregular e não confirmação, o que não autoriza o redirecionamento.

É cediço que a dissolução irregular da empresa é considerada como uma infração e, assim, somente pode ser conclusiva tal afirmação com prévio procedimento.

Ademais, a prova de que há um ato infracional compete a quem o alega, no caso discutido pelo STJ, competiria à Fazenda Pública provar que houve a dissolução irregular da empresa para redirecionar a cobrança, uma vez que não compete ao contribuinte produzir prova negativa. E, o fato de que a empresa não mais funciona no endereço informado não fundamenta o pedido de redirecionamento.

Coelho segue a linha de pensamento do Ministro Napoleão Nunes:

Quem pretende imputar a sócio ou sócios de uma sociedade empresária a responsabilidade por ato social, em virtude de fraude na manipulação da autonomia da pessoa jurídica, não deve demandar esta última, mas a pessoa ou as pessoas que quer ver responsabilizada.4

Em análise à decisão, identifica-se uma tendência diferente dos acórdãos proferidos até então, contudo, para a Fazenda Pública, a decisão contraria a jurisprudência consolidada no STJ, bem como inobservar a Súmula nº435, do STJ.

Cabe salientar que tal decisão é isolada, mas é válido acompanhar os Tribunais em seus entendimentos sobre esse assunto, uma vez que outros acórdãos poderão seguir a linha do STJ.

Fonte: Notícias Fiscais
 

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