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A natureza jurídica do ?depósito? efetuado para suspensão da exigibilidade do crédito tributário após o advento da Lei n° 9.703/98 ou, não é o ?nomen juris?, mas a natureza jurídica da verba, que defi

“A doutrina jurídica do Direito construiu, ao longo de séculos, conceitos que não podem ser ignorados pelos que elaboram, ou aplicam as normas, sem graves prejuízos para a Ciência do Direito e para a operacionalidade do ordenamento jurídico, que termina por não alcançar a sua finalidade.

Existem, é certo, conceitos de Direito Positivo que podem ser criados e alterados pelo legislador com relativa liberdade, mas existem os conceitos consolidados universalmente, que fazem parte da Teoria Jurídica, e estes evidentemente não podem ser atingidos em seus elementos, e em seus efeitos essenciais. Assim é que não se concebe uma compra e venda sem o elemento essencial, o preço, e sem o efeito que lhe é próprio, a transmissão da propriedade da coisa vendida. Pela mesma razão, não pode o legislador determinar que em virtude de uma hipoteca a propriedade do bem hipotecado restou transferida, ou que da realização de um pagamento não decorre a extinção da dívida a que se refere.

Há, todavia, quem pense que em Direito tudo é apenas questão de nome, e sendo assim, se chamarmos um pagamento de depósito, depósito este será”.

Tal citação vem a propósito porque parte da doutrina e mesmo a Procuradoria da Fazenda Nacional, quando lhe interessa, trata do “depósito” a que se refere o artigo 151, II do CTN, mesmo depois da vigência da Lei n° 9.703/98, como tendo a natureza do depósito voluntário assim definido na lei civil (CC arts. 627 a 646), o que não é verdadeiro.

Não tem a natureza do depósito mencionado na lei civil porque, no caso específico, tal proceder tem a natureza jurídica de pagamento sob condição resolutiva contida na decisão judicial transitada em julgado ou na decisão administrativa irrecorrível nesta esfera.

Essa natureza é destacada do próprio artigo 1º da Lei n° 9.703/98 ao prescrever que tais valores são recolhidos na Caixa Econômica Federal através de “mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF” (caput do artigo) e “serão repassados pela Caixa Econômica Federal para a Conta Única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no mesmo prazo fixado para recolhimento dos tributos e das contribuições federais” (§ 1º).

Portanto, os valores dos “depósitos” efetuados são recolhidos à Conta Única do Tesouro, constituindo-se em verdadeiro pagamento dos tributos, visto que serão integrados às demais receitas federais podendo, inclusive, fazer face às despesas federais e participar do chamado superávit primário, como se colhe de recente notícia publicada pelo Valor Econômico .

A condição resolutiva encontra-se disposta no § 3º do citado artigo 1º por seus incisos I e II pelos quais, mediante ordem judicial ou da autoridade administrativa, os valores “depositados”, serão devolvidos ao contribuinte acrescidos da SELIC ou convertidos em pagamento definitivo após o trânsito em julgado da decisão judicial ou da definitividade da decisão administrativa.

Note-se que é a própria lei que prescreve a conversão em pagamento definitivo, o que leva à conclusão de que o pagamento efetuado o foi sob condição e, cumprida esta favorável à Fazenda, tornar-se-á definitivo.

Com efeito, o Código Civil por seu artigo 121 prescreve ser “condição” a cláusula que condiciona o efeito do negócio jurídico a evento futuro ou incerto e, sendo “resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido”.

Nesse sentido é a lição de Hugo de Brito Machado no trabalho mencionado quando acrescenta que tais valores se distanciam do depósito e assumem a feição de pagamento, como adiante se vê:

“O depósito, sabemos todos, não transfere a propriedade do dinheiro depositado para a Fazenda Pública. Depósito não é pagamento. É garantia de que este será feito. Apenas uma garantia. Sua característica essencial, em se tratando de depósito para garantia do juízo, como ocorre no caso de que se cuida, é a de permanecer em mãos de terceiro. O depósito é medida preparatória, preventiva ou de segurança, que consiste na entrega de coisa apreendida à guarda ou vigilância de terceiro.

O depósito é sempre voluntário. Mesmo no caso de depósito do valor de tributo que o contribuinte pretenda discutir com a Fazenda. Não obstante o contribuinte possa ficar exposto à execução fiscal, o ato de depositar é sempre um ato de vontade. Não pode jamais ser obrigatório. É medida preventiva ou de segurança que consiste na entrega da coisa – no caso de que se cuida, o dinheiro – a terceiro.

Todo depósito tem um depositante, “pessoa que entrega a coisa a outrem para que este a guarde e a restitua quando for exigido”, e um depositário, “pessoa que recebe a coisa para a guardar e a restituir quando for exigida.”

É induvidoso, portanto, que o depósito feito pelo contribuinte, para garantia do juízo enquanto questiona com a Fazenda Pública, há de ficar em mãos de terceiro. Não da Fazenda, que é parte no processo. Se fora para ficar em mãos de parte, poderia ficar com o próprio contribuinte, certamente. Se a lei impõe que entregue ao que se diz credor, tem-se pagamento. Não depósito, porque este, em sentido próprio, é um contrato. Contrato que tem por objeto uma coisa – no caso uma quantia em dinheiro – a ser devolvida ao depositante. “O depositário deve guardar a coisa, não a podendo usar nem dar em depósito a outrem, a não ser com autorização do depositante.”

Aliás, o legislador, no caso de que se cuida, traiu-se, e disse que se a Fazenda for a final vencedora no processo, o valor respectivo será “transformado em pagamento definitivo.” Se é assim, é porque antes ocorrera um pagamento não definitivo, construção que não cabe na cabeça de um jurista, porque evidentemente anômala, desconforme com os princípios e conceitos do Direito.

Por outro lado, depósito não constitui receita pública. Depósito e receita pública são figuraras jurídicas inconfundíveis. Receita pública, segundo definição de Baleeiro, “é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo”.

Destaque-se, com Aliomar Baleeiro, que “as quantias recebidas pelos cofres públicos são genericamente designadas como “entradas” ou “ingressos”. Nem todos esses ingressos, porém, constituem receitas públicas, pois alguns deles não passam de “movimentos de fundo”, sem qualquer incremento do patrimônio governamental, desde que estão condicionados à restituição posterior ou representam mera recuperação de valores emprestados ou cedidos ao governo.”

A Lei nº 9.703, de 17 de novembro de 1998, na verdade converteu os depósitos em pagamentos, pura e simplesmente, determinando que a Caixa Econômica Federal repasse os valores respectivos para a conta única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade. E com isto consumou verdadeira expropriação, num atentado claro e ostensivo ao direito de propriedade, que a Constituição expressamente assegura”. (grifamos)

Também aquiescendo com a lição supra é o Voto proferido pela Ministra Eliana no REsp n° Nº 611.750 – CE de onde se colhe o seguinte trecho:

“Pela regulamentação atual da matéria, feita pela Lei 9.703⁄98, percebe-se, claramente, que os depósitos judiciais que visam a suspensão da exigibilidade de tributos e contribuições federais têm natureza de pagamento provisório da exação. Com efeito, nos termos do § 1º, “Os depósitos serão repassados pela Caixa Econômica Federal para a Conta Única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no mesmo prazo fixado para recolhimento dos tributos e das contribuições federais”.

Portanto, o depósito judicial constitui, na verdade, pagamento antecipado da dívida tributária sob condição resolutória. Ou seja, se o tributo for considerado indevido, após o encerramento da lide, o valor é devolvido ao depositante ou, caso reconhecida a legitimidade da cobrança da exação, “transformado em pagamento definitivo” (art. 1º, § 3º, da Lei 9.703⁄98)”.

Sendo assim, tais valores são recolhidos à Conta Única do Tesouro, têm a natureza de pagamento de receita tributária sob condição resolutória, assim permanecendo até que decisão judicial ou administrativa a confirme, quando serão convertidos em pagamento definitivo ou não a confirme, quando serão restituídos tais valores, total ou parcialmente, ao contribuinte.

No caso dessa restituição ao contribuinte, a mesma assume natureza de repetição de indébito e esta, segundo o disposto no § 4º do artigo 39 da Lei n° 9.250/95, “será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada”.

É o que determina o inciso I do § 3º do artigo 1º da Lei n° 9.703/98 o qual estabelece que tal valor será “devolvido ao depositante pela Caixa Econômica Federal, no prazo máximo de vinte e quatro horas, quando a sentença lhe for favorável ou na proporção em que o for, acrescido de juros, na forma estabelecida pelo § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e alterações posteriores”.

De outra banda, não cabe ao caso a indagação sobe a natureza de tais juros SELIC incidentes sobre o crédito tributário devolvido ao contribuinte, ou seja, se os mesmos têm natureza de juros moratórios ou compensatórios, visto que os mesmos têm natureza de juros moratórios em face da retenção indevida de tais valores pela Fazenda, acrescentando-se que o E. STJ concluiu que a SELIC agrega também a correção monetária e não somente juros. Veja-se o REsp 1.028.592 / RS e o REsp 1073846 / SP, ambos da 1ª Seção e outros.

Ademais mesmo tendo natureza de pagamento sob condição, tais valores não perdem a natureza de “receita pública” a qual representa a soma de ingressos, impostos, taxas, contribuições e outras fontes de recursos arrecadadas para atender às despesas públicas.

Ora, se tais valores são “receita pública” deles usufruiu ou vinha usufruindo a União e se ela por não obter sentença judicial ou decisão administrativa favorável ficará obrigada a restituir o valor pago sob condição acrescido da SELIC integral como manda o §4º do artigo 39 da Lei n° 9.250/95 assentado assim pelo inciso I do §3º do artigo 1º da Lei n° 9.703/98, a única conclusão possível é de que a parcela dos juros embutida na SELIC tem a natureza de juros de mora pela retenção do valor a ser devolvido pela Fazenda e que não lhe era devido.

Acrescente-se que também o STJ em diversos julgados tem entendido que a restituição ou o levantamento dos valores “depositados” não rendem juros remuneratórios como se vê do REsp n° 611.750/CE, EDREsp 197236⁄DF e EDAGA 398377⁄SP.

Assim, totalmente impertinente qualquer indagação quanto à natureza dos juros da taxa SELIC acrescidos ao principal no caso de restituição dos valores pagos pelo contribuinte sob condição resolutória, vulgarmente nominado de “levantamento de depósito”.

Com efeito, os “juros compensatórios ou remuneratórios” correspondem ao preço pago pelo uso do capital o qual remunera o credor por ficar dele privado remunerando também o credor pelo risco de não o receber esse capital de volta.

Os “juros moratórios”, por sua vez, têm natureza indenizatória pelo prejuízo resultante do retardamento culposo do pagamento do capital como acontece na repetição do indébito assim reconhecido por decisão judicial ou administrativa.

Nesse sentido, é a decisão proferida no REsp n° 1.227.133 – RS, a qual, embora tratando da incidência ou não do imposto de renda sobre estes valores, conclui pela natureza indenizatória dos juros de mora, destacando-se do Voto vencedor do eminente Ministro Cezar Rocha, o seguinte trecho:

“Quanto à incidência de imposto de renda sobre os juros moratórios, data venia, ouso divergir do em. Ministro relator, porque entendo que a importância deles decorrente não representa necessariamente renda e, muito menos, renda tributável. O caso, assim, é de não incidência tributária, sendo irrelevante a natureza da importância principal.

Com efeito, começo por aderir à orientação, invocada inclusive pelo em. Ministro Teori Albino Zavascki, de que “não é o nomen juris, mas a natureza jurídica da verba que definirá a incidência tributária ou não” (EREsp n. 979.765⁄SE, publicado em 1º.9.2008, Primeira Seção, da relatoria do em. Ministro Mauro Campbell Marques).

Dissertando sobre os juros moratórios previstos no art. 1.061 do Código Civil de 1916, J. M. Carvalho Santos, in Código Civil Brasileiro Interpretado (Livraria Freitas Bastos S.A., 6ª edição, Direito das Obrigações, Volume XIV), afirma serem eles devidos “mesmo que o credor não prove o prejuízo sofrido, já porque o legislador considera necessariamente danosa a privação duma soma de dinheiro, já porque se presume que o dinheiro está frutificando ou rendendo juros em poder do devedor” (páginas 269-271).

Também Orlando Gomes, in Obrigações (Forense, 6ª edição – 1981), leciona que, “nas dívidas pecuniárias, as perdas e danos consistem nos juros moratórios. É intuitiva a razão dessa especificidade. A privação do capital em consequência do retardamento na sua entrega ocasiona prejuízo que se apura facilmente pela estimativa de quanto renderia, em média, se já estivesse em poder do credor” (página 205). Mais adiante, acrescenta que, “se bem que os juros de mora constituam a indenização específica, devida em consequência de retardamento culposo no cumprimento da obrigação, não é necessário, para exigi-los, que o credor alegue prejuízo. O devedor é obrigado a pagá-los independentemente de qualquer postulação, porque a lei os presume” (fl. 206).

As justificativas adotadas pelos doutrinadores referidos para a percepção de juros moratórios, como se pode verificar, estão vinculadas ao valor que a importância principal objeto da inadimplência poderia render durante o período em que o credor permaneceu privado do que lhe seria devido.

Hoje, entretanto, as indenizações por perdas e danos inerentes aos juros de mora devem ser entendidas em sentido mais amplo. A evolução jurisprudencial, legislativa e doutrinária pertinente à proteção dos direitos, sobretudo personalíssimos, impõe que tais indenizações, para serem completas, abarquem os bens materiais e imateriais. Com isso, deve-se considerar que o conteúdo indenizatório dos juros moratórios previstos no Código Civil em vigor abarca não só a reparação do período de tempo em que o credor, com profunda insatisfação, permaneceu privado da posse do bem que lhe seria devido por direito, mas também os possíveis e eventuais danos morais, ainda que remotos, os quais não precisam sequer ser alegados (art. 407 do CC em vigor), tampouco comprovados”.

Nos termos do art. 13 da Lei nº 9.065/95, a partir de 1º de abril de 1995, os juros de que trata o art. 84, inciso I, da Lei nº 8.981 de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia “SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente”.

Por seu turno, o art. 84, inciso I, da Lei nº 8.981 de 1995, afirma que “os tributos e contribuições sociais arrecadados pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores vierem a ocorrer a partir de 1º de janeiro de 1995, não pagos nos prazos previstos na legislação tributária será acrescido de: I – JUROS DE MORA, equivalentes à taxa média mensal de captação do Tesouro Nacional relativa à Dívida Mobiliária Federal”. (grifamos)

Do exposto, é possível chegar às seguintes conclusões:

a) O valor “depositado” tem natureza de pagamento de tributo sob condição resolutória a ser dirimida em decisão administrativa ou judicial;

b) Tal valor se constitui em receita pública, uma vez que o mesmo é arrecadado por DARF à Conta Única do Tesouro e, por consequência tem por destinação fazer face à despesa pública;

c) Diante da natureza de receita pública a União passa imediatamente a utilizar-se destes valores “depositados” para atendimento de suas despesas públicas;

d) Em caso de decisão favorável ao contribuinte tal valor é a ele “restituído” e se favorável à Fazenda Nacional transforma-se em “pagamento definitivo”;

d) Em caso de restituição tal valor deve ser sujeito à SELIC acumulada como manda o inciso I do § 3º do artigo 1º da lei n° 9.703/98, sob pena de enriquecimento ilícito do devedor (a União); e,

e) Os juros SELIC incidentes sobre a restituição dos valores “depositados” pelo contribuinte para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151, II do CTN), têm a natureza de juros de mora de caráter indenizatório pelo uso indevido dos valores pagos sob condição em face de decisão judicial ou administrativa reconhecendo indevido o tributo questionado.

Assim, diante da verdadeira natureza de receita pública e de pagamento sob condição o valor dito como “depósito”, depósito não é.

Tal constatação leva à conclusão de que os juros SELIC incidentes na sua restituição ao contribuinte são juros de mora de natureza indenizatória em nada se diferenciando daqueles juros SELIC cobrados pelo atraso no recolhimento de tributo.

HUGO MACHADO – Professor Titular de Direito Tributário da UFC, presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários, juiz aposentado do Tribunal Regional Federal da 5a Região – “EXTINÇÃO DOS DEPÓSITOS PARA GARANTIA DO JUÍZO” – http://jus.uol.com.br/revista/texto/412/extincao-dos-depositos-para-garantia-do-juizo.
Depósito judicial vai bancar 13% do superávit. Os depósitos judiciais continuarão inflando a arrecadação do governo neste ano. A Receita Federal estima que essa contribuição será de R$ 13 bilhões, o que representa um aumento de cerca de 20% em relação a 2011 (R$ 10,8 bilhões). O recolhimento, em um cenário de desaceleração do ritmo de arrecadação de impostos e contribuições, será grande aliado da área econômica para o cumprimento da meta de superávit primário. O volume esperado em depósitos judiciais equivale a 13,4% da economia prevista para o governo central, de R$ 97 bilhões. “O ritmo (dos depósitos judiciais) está muito mais forte neste ano”, informou uma fonte na área econômica.

Fonte: Tributario.net
 

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