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Artigo: A reserva legal no novo Código Florestal

O Código Florestal, a Lei nº 4.771 de 1965, representa um dos pilares do atual ordenamento jurídico ambiental brasileiro. Contudo, tal diploma legal tem sido marcado por controvérsias ao longo de seus quase 45 anos de vigência, o que culminou em constantes alterações, principalmente por meio da sucessiva edição de Medidas Provisórias (MPs). A MP nº 2.166-67 é responsável pela atual redação do Código Florestal, a qual está sendo objeto de árduo debate no Congresso Nacional e que, por esse motivo, merece profunda reflexão. A seguir, teceremos apenas algumas considerações sobre a reserva legal.

De acordo com o Código Florestal, os proprietários ou possuidores rurais devem manter uma parcela de suas áreas com a vegetação nativa, a título de reserva legal, observando-se um percentual que varia conforme a região onde está localizado o imóvel e o tipo da vegetação, sendo de, no mínimo, 20% da área do imóvel rural, podendo chegar a 80% nas áreas de floresta situadas na Amazônia Legal. A localização da reserva legal deve ser aprovada pelo órgão ambiental competente e averbada na matrícula do imóvel.

Diante das dificuldades de regularização da reserva legal, o Código Florestal criou alternativas. Nesse sentido, além da possibilidade do cômputo das áreas de preservação permanente (APPs) na área de reserva legal em alguns casos específicos, aqueles que não estejam observando os percentuais estabelecidos podem realizar a recomposição da reserva legal em um prazo de até 30 anos, ou mesmo compensá-la por outra área equivalente, desde que esta, em regra, pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia.

Mesmo com as referidas alternativas de regularização, a realidade demonstra que essa obrigação legal ainda não atingiu a efetividade desejável. De fato, não obstante os aprimoramentos promovidos pelos órgãos ambientais, o processo de constituição da reserva legal ainda é demasiadamente burocrático e moroso. Ademais, os percentuais atualmente vigentes são alvo de críticas do setor do agronegócio, bem como a obrigação de recomposição de tais áreas, que subsiste mesmo que o desmatamento tenha sido promovido pelo proprietário anterior, conforme já assentado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em síntese, os produtores rurais argumentam que o cumprimento das obrigações previstas no Código Florestal afetará a produção no campo.

As divergências ganharam destaque na opinião pública após a publicação do Decreto nº 6.514, de 2008, que tornou a "falta de averbação da reserva legal" uma infração administrativa, passível de multa que podia atingir a R$ 100 mil. Essa disposição só entraria em vigor em 19 de janeiro de 2009; na prática, foi concedido um prazo aos produtores rurais para a regularização da reserva legal, antes que a penalidade pudesse ser imposta.

Após pressão do setor produtivo, foi editado o Decreto nº 6.686, de 2008, que abrandou a referida sanção, mantendo apenas o procedimento que se inicia com a imposição de uma advertência e de uma multa diária, que pode atingir o valor de R$ 500,00 por hectare ou fração de reserva legal. Além disso, o prazo para a regularização foi prorrogado para 11 de dezembro deste ano.

Tal prorrogação permitiu a continuidade do debate no Congresso Nacional acerca da reforma do Código Florestal sem que os produtores rurais "caíssem na ilegalidade". Diversos projetos de lei estão sendo discutidos pelos parlamentares. Dentre os pontos levantados pela bancada ruralista estão, além da redução dos percentuais da reserva legal, a possibilidade de sua compensação em bacias hidrográficas adjacentes, localizadas em outro Estado, mas no mesmo bioma, e o uso econômico e permanente de espécies exóticas - como o dendê - para a recomposição de tais áreas.

Há uma flagrante polarização das discussões, já que ambientalistas discordam das propostas apresentadas pelos ruralistas, sob o argumento de que tais medidas enfraquecerão a legislação ambiental. O fato é que a simples politização do debate é extremamente prejudicial. É imprescindível a realização de estudos imparciais que analisem o atual modelo de conservação adotado pelo Código Florestal, apontando as suas deficiências e sugerindo soluções plausíveis, que tornem possível o aumento, não só das áreas cobertas por vegetação, como da produção agropecuária. Inúmeras iniciativas já demonstraram que é possível produzir mais, de forma sustentável, e sem a necessidade de novos desmatamentos.

Para coroar o impasse, o presidente Lula assinou, em 10 de dezembro, o Decreto nº 7.029, de 2009, que institui o Programa Federal de Apoio à Regularização Ambiental de Imóveis Rurais, denominado Programa Mais Ambiente.

A adesão pelos proprietários e possuidores rurais ao referido programa - o que poderá ocorrer até 11 de dezembro de 2012 - acarretará a suspensão da cobrança das multas aplicadas em decorrência do cometimento de infrações administrativas relacionadas a danos ambientais causados em APPs e reservas legais, exceto nos casos de processos com julgamento definitivo na esfera administrativa. Caso tenham cometido as referidas infrações antes da data de publicação do Decreto nº° 7.029, de 2009, aqueles que aderirem ao Programa Mais Ambiente não serão mais autuados, desde que cumpram as obrigações previstas no termo de adesão e compromisso.

Cumpre salientar também que o prazo para a aplicação da penalidade relacionada à averbação da Reserva Legal, fixado pelo Decreto nº 6.686, de 2008, foi prorrogado novamente, um dia antes de seu término, pelo Decreto nº 7.029, de 2009 para 11 junho de 2011. No entanto, é possível que, até a referida data, a reforma do Código Florestal já tenha sido aprovada pelo Congresso Nacional, o que poderá modificar novamente todo o marco regulatório definido por este novo decreto.

Espera-se que a falsa dicotomia entre o agronegócio e o meio ambiente finalmente seja superada e que o Código Florestal, se realmente alterado, consiga atingir o grau de modernização necessário para promover o desenvolvimento da agropecuária brasileira e, ao mesmo tempo, a ampliação dos espaços protegidos e a redução do desmatamento.

Pedro Lehmann Baracui e Miguel Franco Frohlich são advogados associados ao Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados, especializados em direito ambiental e mudanças climáticas.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Valor Econômico
 
 

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