Norma Tributária Remissiva e sua Não Afetação aos Juros Remuneratórios dos Depósitos Judiciais
A categoria anistia, in genere, como registram Houaiss e Vilar, significa “1. esquecimento, perdão em sentido amplo. 2. ato do poder público que declara impuníveis delitos praticados até determinada data por motivos políticos ou penais, ao mesmo tempo que anula condenações e suspende diligências persecutórias.”
Na condição de típico ato de clemência, bondade, indulgência conferida pelo poder público, a anistia não se confunde com a “graça” ou “indulto” , embora estes também tenham o condão da comutação, a ponto de implicar em perdão total ou parcial da pena ou extinção da punibilidade.
A anistia distingue-se do indulto, notadamente pelos seguintes pontos: a) o indulto é individual, particular, personalíssimo, limitado à pessoa do delinquente, ao passo que a anistia, dada sua generalidade, compreende todos os que realizaram a conduta típico-delituosa; b) a anistia alcança os delitos políticos, enquanto o indulto circunscreve-se aos delitos comuns; c) a concessão da anistia não se subordina à preexistência de um processo em curso, enquanto o indulto é um ato que sucede uma condenação; d) a anistia é fruto de um ato legislativo, já o indulto é da competência do executivo; e) a anistia significa perdão do crime, abolição do fato delituoso, alcançando a infração antes ou depois da deflagração da ação penal e/ou antes ou depois da condenação imposta ao acusado, enquanto que o indulto não elimina o delito, ao revés, apenas atinge a penalidade, razão pela qual não afasta a reincidência.
Noutro passo, a anistia fiscal, uma subespécie do gênero anistia, como pondera Paulsen, “é o perdão das infrações à legislação tributária e das respectivas sanções. Não atinge o tributo em si, que persiste. O perdão do tributo ocorre através da remissão, nos termos do art. 172 do CTN.” Em suma: consiste no perdão legal do cometimento da infração tributária e exclusão da pretensão punitiva (aplicação de penalidade pecuniária) dela decorrente.
Daí a arguta observação de Zelmo Denari de que a “anistia é modalidade de remissão aplicada às infrações e respectivas penalidades” , ou seja, a lei pode remir, isto é, perdoar o débito genuinamente tributário, ou simplesmente anistiar, isto é, perdoar o ilícito ou sanção aplicada ao contribuinte ou responsável tributário.
De todo modo, parece importante ressaltar que tanto as leis de remissão quanto as de anistia abrangem exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da norma que as concede, isto é, são normas jurídicas de eficácia essencialmente retroativas. E não poderia ser diferente, pois caso pudessem assumir eficácia prospectiva, a lei de anistia passaria a incorporar a faceta de uma lex mitior revogatória do anterior preceito normativo, fazendo desaparecer, ex nunc, a antijuridicidade da conduta.
Assim sendo, sempre que o operador do direito se deparar com uma norma anistiadora de uma infração ou penalidade, deve-se entender, segundo profícuo magistério de Zelmo Denari, “que a lei tributária aboliu sua antijuridicidade, ou seja, suprimiu a qualificação de desvalor atribuída à conduta lesiva da norma jurídica tributária” .
Diferentemente da anistia, a Remissão é perdão, ato ou efeito de considerar algo como quitado, sendo que no âmbito fiscal consiste em dispensa legal do crédito tributário. Só mediante autorizativo legal é que pode a autoridade administrativa conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial de créditos tributários.
Embora o CTN disponha que sua concessão venha a ser operacionalizada por despacho fundamentado da autoridade administrativa competente, nada obsta que a mesma seja concedida diretamente pela lei. O despacho autorizativo do perdão, como preceitua o art. 172 do CTN, deve encontrar sua causa determinante numa das seguintes hipóteses: a) situação econômica do sujeito passivo; b) erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo, quanto à matéria de fato; c) diminuta importância do crédito tributário; d) considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso; e) condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.
A remissão não se confunde com “remição” ou “anistia”. Remição (com ç) é ato de remir, resgatar. Anistia representa simples dispensa legal do pagamento de penalidades (multas fiscais), e não do crédito tributário propriamente dito. Portanto, configura erro crasso o uso do vocábulo anistia para designar o perdão de créditos tributários, principalmente os de diminuta importância. Toda dispensa de crédito tributário, independentemente do valor, significa remissão.
É exatamente nesse contexto que cresce de importância a compreensão do alcance de uma norma jurídica remissiva (v.g., normas veiculadores de programas de recuperação fiscal, conhecidas como Refis, Paes, Paex, Revigorar ou outra alcunha que venha a receber), relativamente aos juros remuneratórios dos depósitos judiciais.
Como é cediço, a remissão e a anistia atingem o crédito tributário e, consequentemente, a obrigação tributária em que este encontra assento. A remissão de juros moratórios, normalmente contemplada pelas leis veiculadoras de programas de recuperações fiscais, refere-se aos juros que compõem o crédito tributário e não aos juros de índole remuneratória do dos depósitos judiciais. A este respeito, oportuno consignar as parcelas ou rubricas que compõe o crédito tributário:
a) Valor principal: corresponde ao valor do tributo devido ou da multa isolada devida;
b) Multa: corresponde ao valor da penalidade pecuniária devida, proporcionalmente incidente sobre o quantum do valor principal, podendo ser de ofício (na hipótese de infração à legislação tributária detectada pela autoridade fazendária), ou de mora, na hipótese de pagamento espontâneo extemporâneo realizado pelo sujeito passivo;
c) Juros moratórios: corresponde a parcela de valor voltada a indenizar o sujeito ativo pelo não recebimento da receita tributária no prazo de vencimento (CTN, art. 161, § 1º, atualmente representado pela Taxa SELIC, ex vi do art. 61, § 3º, da Lei nº 9.430/96);
d) Encargos: demais encargos incidentes sobre a dívida. Tratando-se de débitos inscritos em dívida ativa da União Federal, incide o encargo legal (de 20%) previsto no art. 1º do Decreto-lei nº 1.025/69.
Efetivado o depósito integral do valor do crédito tributário, portanto, fica este paralisado, em face da suspensão de sua exigibilidade (CTN, art. 151, II), implicando em reflexo impedimento da incidência ou continuidade da aplicação da multa moratória, juros de mora e do encargo legal (Lei nº 6.830/80, art. 9º, inciso I, § 4º).
Damo-nos pressa em deixar assinalado, todavia, um fator que constitui a pedra angular da presente vexata quaestio, qual seja, a suspensão da exigibilidade alcança o crédito tributário, à obviedade, no estado em que o mesmo se encontrar. É que a composição do crédito tributário sofre metamorfose no tempo em razão do iter de seu nascimento e cobrança. Até o vencimento, o crédito tributário será composto exclusivamente pelo valor principal. Após o primeiro dia de atraso, já passa a incidir a multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso, limitada a vinte por cento (Lei nº 9.430/96, art. 61, caput c/c § 2º). A partir do primeiro dia do mês subsequente ao vencimento do prazo até o mês anterior ao do pagamento, haverá a incidência cumulativa dos juros de mora (Lei nº 9.430/96, art. 61, § 3º). Após o encaminhamento para a inscrição em dívida Ativa da União Federal, passa também a incidir o encargo legal do art. 1º do Decreto-lei nº 1.025/69.
Consectariamente, se o depósito do valor for efetivado antes do vencimento da obrigação tributária, não há que se falar em multa moratória, juros de mora ou encargo legal. Se o depósito for feito após o vencimento da obrigação, porém dentro do interregno do mês de vencimento, não há que se falar em juros de mora ou encargo legal. Se o depósito for efetivado antes do envio do débito para inscrição em dívida ativa da União, não há que se falar em encargo legal do Decreto-lei nº 1.025/69. Contudo, caso o depósito venha a ser materializado após esses marcos, em subserviência ao comando do art. 151, II, do Digesto tributário, somente será integral e suspenderá a exigibilidade do crédito tributário se abranger cada uma das rubricas retro mencionadas (principal, multa, juros moratórios, encargo legal), conforme o momento em que incidem, pois o crédito tributário passará a ser necessariamente composto, isto é, não mais representado isoladamente pelo principal.
Por imperativo lógico-sistemático, a eventual remissão/anistia das rubricas concedidas (multa de ofício ou de mora, juros de mora e encargo legal) somente incidirá se efetivamente existirem tais rubricas (saldos devedores) dentro da composição de crédito tributário cuja exigibilidade se encontrar suspensa pelo depósito.
Imaginemos o seguinte exemplo para se extrair a exata exegese do que estamos explanando (tributo quantificado em R$1.000,00, a título de principal). Se o contribuinte realizar o depósito integral após o encaminhamento do débito para inscrição em Dívida ativa da União, tem-se a sua reflexa paralisação representada pela seguinte composição creditícia: R$1.000,00 (principal) + R$200,00 (multa de mora) + R$120,00 (juros de mora em patamar médio da SELIC em 0.5% ao mês) + R$ 264,00 (encargo legal de 20%) = TOTAL DE R$1.584,00.
O depósito, para ser integral, no exemplo acima, deve ser feito no valor de R$1.584,00. Se assim realizado, consoante ordinariamente veiculam as regras jurídicas de remissão/anistia (v.g., Lei nº 11.941/09, art. 10), antes da conversibilidade do depósito em renda (pagamento definitivo), pressupõe a aplicação da remissão/anistia nos patamares legalmente contemplados, passando a ter a seguinte composição, exemplificativamente: R$1.000,00 (principal) + R$0,00 (anistia de 100% da multa de mora) + R$66,00 (remissão de 45% dos juros de mora) + R$0,00 (remissão de 100% do encargo legal = TOTAL DE R$1.066,00.
Na situação exemplificativa exposta, a diferença de R$518,00 entre o valor originário do crédito tributário depositado e o valor do crédito tributário calculado após a remissão/anistia há que ser devolvido ao contribuinte, pois a conversão em renda (pagamento definitivo) do valor total representaria pagamento a maior (indébito tributário), vez que não submetido aos efeitos benéficos da norma jurídica indutora de conduta e patrocinadora da anistia/remissão.
Sobrepensados esses aspectos, desponta a natural inconfundibilidade entre os juros moratórios e os juros remuneratórios dos depósitos (judiciais ou administrativos), comumente presentes nas causas desse jaez. O crédito tributário e o depósito judicial ou administrativo são institutos inconfundíveis, já que cada qual possui natureza e regime jurídico próprio. Os juros remuneratórios dos depósitos não são os mesmos juros que oneram o crédito tributário (estes sim de índole moratória). Circunstancialmente, mas nem sempre, um depósito judicial pode estar vinculado a uma ação judicial onde se discute determinado crédito tributário. Também eventualmente a taxa de juros de mora incidente sobre o crédito tributário e a taxa de juros remuneratórios incidente sobre o depósito judicial, quando de sua devolução, seja a mesma Taxa SELIC (fato que passou a ocorrer após o advento da Lei nº 9.703/98, vez que antes sequer os depósitos venciam juros). Nada disso representa, ontologicamente, que quando a lei vier a patrocinar a remissão dos juros de mora insertos na composição de um crédito tributário, por via reflexa e imediata, igualmente esteja legitimando o resgate dos juros remuneratórios dos depósitos judiciais. Ledo engano!
Fonte: Tributario.net
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