CCA Bernardon Consultoria Contábil e Tributária Porto Alegre
Menu

Substituição de bens à penhora por crédito de precatório

1.      A DECISÃO COMENTADA

Agravo de Instrumento nº 990.10.373090-9

Relator: Magalhães Coelho

3º Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo

Sessão: 30/11/2010

DJ:

AGRAVO DE INSTRUMENTO -Execução Fiscal – Substituição de bens à penhora por crédito de precatório-Possibilidade em razão da EC n° 62 que modifica o regramento sobre precatórios-Adequação vertical da gradação estabelecida no art. 11 da Lei n° 6.830/80, em face da nova disciplina constitucional - Concretização do Estado Democrático de Direito, da isonomia e da moralidade - Interpretação que cumpre o novo tratamento atribuído pela Constituição Federal ao crédito obtido em face do Poder Público (art. 100) – Recurso provido.

Trata-se de agravo de instrumento interposto por empresa executada, em autos de execução fiscal movida pela Fazenda do Estado de São Paulo, insurgindo-se contra decisão monocrática que indeferiu a substituição de bens à penhora consistente em direitos de crédito que possui contra a própria Fazenda Estadual,decorrentes de precatório n° 0399/89 (0370/00), advindos do Processo n° 583.53.1984.065997 e Execução de Sentença n° 2306/05 da Ia Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo.
2.      OS COMENTÁRIOS
Na decisão comentada, a 3º Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu por bem dar provimento ao recurso, possibilitando a agravante o direito de substituir bens penhorados por crédito de precatório.

Antes, porém, se faz necessário enaltecer o brilho do Des. Magalhães Coelho, em seu brilhante voto da exposição das razões de fato e de direito no Agravo nº 990.10.3730909, quando chamado a decidir, dentro de sua concepção do poder legitimado a controlar os diplomas legais em confronto com a Constituição Federal, não aceitou a legislação com a interpretação do Fisco, Se aceitasse o que não é o caso, o Judiciário seria tolhido de uma das funções primordiais do Estado Democrático de Direito.

Não obstante, o tema vem sendo tratado com disparidade jurídica e decisões políticas de interesse do Fisco, ora “Quando o Poder Público é condenado judicialmente, não se sujeita ao processo ordinário de execução, mas tem expedido em seu desfavor um precatório judicial, que, em última análise, é a ordem emitida pelo juízo das execuções ao Presidente do Tribunal, para que este requisite da entidade devedora (Poder Público) o pagamento das quantias devidas, mediante a inclusão no orçamento do exercício seguinte, da verba necessária ao adimplemento de todos os precatórios apresentados até 1ª de julho[1].”

Não é difícil notar, que o Estado esta investido de poderes extraordinários para arbitrar penalidades aos contribuintes, logo, em sentido oposto os credores do Erário de São Paulo, em especial, ficam a míngua de seus créditos, o que é ainda pior! O fato de um contribuinte que supostamente tenha um débito fiscal, este será interpelado coercitivamente para o imediato adimplemento, vez que, será despendido todo arsenal jurídico da Fazenda Estadual, ou seja, penhora online, multas abusivas e por fim um parcelamento unilateral concedido nos moldes do Fisco.

Feito este intróito inicial, passamos a comentar a decisão: Trata-se de um agravo de instrumento interposto por empresa executada, em autos de execução fiscal movida em face Fazenda Nacional, insurgindo-se contra decisão monocrática em que indeferiu a substituição de bens a penhora consistente em direitos de crédito que possui contra a própria Fazenda Estadual.

Não obstante, o pedido foi indeferido pelo juízo de 1º grau sob o fundamento de que os artigos 11 e 15 da lei nº 6.830/80, bem como do artigo 612 do Código de Processo Civil, informam que a Fazenda Pública não é obrigada a aceitar bem em garantia, quando não observe a gradação legal, sendo que, eventual substituição de penhora apenas poderia dar-se por dinheiro.

Todavia, o panorama supracitado deve ser guiado de forma menos gravosa para o executado, conforme comando inserido no artigo 620 do CPC, devendo o procedimento assegurar a alternativa menos danosa a gravar o patrimônio do executado.

Isto porque, ainda que calcada em obrigação de natureza ex lege, a execução deve se nortear de forma que, a garantia, possibilite o pagamento e início da ação incidental do executado, e não seja obstada por valores que adquirem nítida feição de dificultar o acesso ao direito de petição.

Quanto à oposição da Fazenda em não aceitar a substituição de bens à penhora por créditos de precatórios, cabe destacar que nos termos da Constituição Federal, são passiveis de compensação tributária, uma das formas de extinção do débito.

O crédito tributário extingue-se por meio da compensação, o próprio código civil determina em seu artigo 368, que: “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extingue-se, até aonde se compensarem”.

O Código Tributário Nacional – CTN, recepcionado pela Constituição com status de lei complementar, assim disciplinou o instituto da compensação em matéria tributária:

a)       como forma de extinção do crédito tributário:

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

I – o pagamento;

I – a compensação”

Cabe, pois o Estado dentro de sua competência legislativa e observadas as regras em vigor, editar uma lei interna estabelecendo as condições e garantias através das quais serão efetuadas as compensações tributárias, mediante a utilização de créditos próprios e de terceiros. A dificuldade em estabelecer uma simetria entre o Estado e os contribuintes é de grande interesse público, porém o Estado não tem interesse em adimplir suas dívidas, hoje a dívida do Estado ultrapassa os oitenta e três bilhões de reais em créditos de precatórios.

As dívidas ordinárias, sujeitas ao sistema de precatórios, salvo crédito de natureza alimentícia tem sido objeto de sucessivas alterações para prorrogar o pagamento, sua fonte histórica demonstra que através da Emenda Constitucional nº 30/2000, inserido no art. 78 ao ADCT, decretou a moratória dos precatórios não-alimentares para o pagamento em 10 parcelas anuais.

Em 2006, a Fazenda Pública editou a PORTARIA CAT Nº 46/06, que dispõe da impossibilidade de compensação de débitos fiscais relativos ao ICMS com precatórios judiciais, a Portaria dispõe que:

“1 – a compensação, como forma de extinção do crédito tributário, deve estar prevista em lei que discipline a matéria, conforme disposto no artigo 170 do Código Tributário Nacional (Lei n° 5.172/66);

2 – a legislação paulista prevê como hipótese de compensação de ICMS aquela que visa assegurar a não-cumulatividade desse tributo, ou seja, a compensação mediante crédito do imposto anteriormente cobrado, conforme disposto no artigo 38 da Lei n° 6.374/89;

3 – o contribuinte, ao escriturar precatórios judiciais de qualquer natureza a título de crédito para apuração do ICMS, sejam estes precatórios próprios ou adquiridos de terceiros, estará sujeito às penalidades previstas em lei;

4 – a multa aplicável a esse tipo de infração é de 100% (cem por cento) do valor do crédito indevidamente escriturado, conforme previsto no artigo 85, inciso II, alínea “j”, da Lei n° 6.374/89.”

A PORTARIA CAT Nº46/06, é norma infralegal e não tem o condão de força de lei, não pode obstaculizar o contribuinte em seu exercício de direito conferido pelo artigo 100 da Constituição Federal, que teve sua redação alterada pelo artigo 78 do ADCT, trazendo ao parágrafo 2º o poder liberatório para o pagamento de tributos da entidade devedora a serem conferidos aos precatórios vencidos e não pagos[2].

O artigo 170-A do CTN prevê que a compensação é vedada antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. Entretanto, os precatórios judiciais utilizados para pagamento de débitos de ICMS decorrem de processos cujas sentenças já se encontram transitadas em julgado, com a emissão dos respectivos ofícios requisitórios e inclusos no orçamento para pagamento[3]

Sendo assim, não há violação ao referido dispositivo legal, haja vista que os precatórios que são objetos de planejamentos financeiros se encontram devidamente enquadrados na Emenda Constitucional n.º 30/2000, ou seja, todos são decorrentes de processos cujas sentenças estão transitadas em julgado, foram orçados e na data de vencimento não foram adimplidos pelo Estado de São Paulo. A EC 30/2000 é hierarquicamente superior ao comunicado CAT, e está de acordo com o artigo 170 do CTN[4].

Em decorrência do regramento normativo, não podemos deixar de ressaltar a Emenda Constitucional nº 62, cuja inteligência do § 9, do artigo 100 da Constituição Federal, atua como princípio vetor, ao regulamentar que: “no momento da expedição dos precatórios, independente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora incluída parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial[5]”

Portanto é possível, o credor da parcela vencida de não paga compensar com tributo devido ao Fisco, tendo em vista a norma constitucional dotada de auto- aplicabilidade e o que não depende de norma infraconstitucional para produzir seus efeitos.

De todo o exposto, considerando o brilhante voto do Des. Magalhães Coelho é possível a substituição de bens a penhora por crédito de precatório e a compensação com créditos vencidos e vincendos de ICMS, nos termos da Constituição Federal.

Porém, recentemente através do  AgRg no Agravo de Instrumento nº 1.327.120-SP (2010/0121604-7-), a 2º Turma do Superior Tribunal de Justiça- STJ entendeu que a Fazenda Pública pode recusar precatório oferecido em substituição de penhora por devedor durante a execução fiscal.

Da jurisprudência, trazemos à colação:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DEINSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DAPENHORA. PRECATÓRIO JUDICIAL. RECUSA JUSTIFICADA DA FAZENDA PÚBLICA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. AGRAVO IMPROVIDO. – A 1ª Seção desta Corte pacificou o entendimento de que, “não se equiparando o precatório a dinheiro ou fiança bancária, mas a direito de crédito, pode a Fazenda Pública recusar a substituição por quaisquer das causas previstas no art. 656 do CPC ou nos arts. 11 e 15 da LEF” (REsp n. 1.090.898/SP). Agravo regimental improvido. (AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.327.120 – SP (2010/0121604-7)

 

No caso em análise, Os autos noticiam que o ora agravante insurgiu-se, na origem, contra decisão da Juíza de Direito da 14ª Vara de Execuções Fiscais do Estado de São Paulo que indeferiu a nomeação de precatórios em substituição à penhora.

O Tribunal a quo negou provimento ao recurso, porque a nomeação não observou a ordem prevista no art. 11 da Lei n. 6.830/80 e houve recusa justificada da Fazenda Pública.  Da decisão agravada, o acórdão recorrido decidiu no sentido dos precedentes da jurisprudência do próprio STJ, isto porque a Primeira Seção no julgamento do Recurso Especial n. 1.090.898/SP, da relatoria do Ministro Castro Meira, publicado no DJe de 31.8.2009, por se tratar de matéria  idêntica e firmou o seguinte entendimento:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DE BEM PENHORADO POR PRECATÓRIO. INVIABILIDADE.

1. ‘O crédito representado por precatório é bem penhorável, mesmo que a entidade dele devedora não seja a própria exeqüente, enquadrando-se na hipótese do inciso XI do art. 655 do CPC, por se constituir em direito de crédito’ (EREsp 881.014/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 17.03.08).

2. A penhora de precatório equivale à penhora de crédito, e não de dinheiro.

3. Nos termos do art. 15, I, da Lei 6.830/80, é autorizada ao executado, em qualquer fase do processo e independentemente da aquiescência da Fazenda Pública, tão somente a substituição dos bens penhorados por depósito em dinheiro ou fiança bancária.

4. Não se equiparando o precatório a dinheiro ou fiança bancária, mas a direito de crédito, pode a Fazenda Pública recusar a substituição por quaisquer das causas previstas no art. 656 do CPC ou nos arts. 11 e 15 da LEF.

5. Recurso especial representativo de controvérsia não provido. Acórdão sujeito à sistemática do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008″.

Nos termos do precedente supracitado, a substituição do bem penhorado, sem a anuência do credor, somente poderá ser realizada por dinheiro ou fiança bancária, não se admitindo a substituição por precatório, ainda que emitido contra a própria fazenda exequente. O tema encontra-se inclusive sumulado na Corte (enunciado n. 406), verbis: “A Fazenda Pública pode recusar a substituição do bem penhorado por precatório”. Ademais, o agravante não combateu todos os fundamentos da decisão atacada, nada discorrendo sobre a incidência dos verbetes n.s 283 e 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal[6].

O STJ tinha o entendimento pacifico que o precatório era equivalente a dinheiro não pago e, assim, não poderia ser recusado mesmo na substituição, entretanto de alguns anos seu entendimento foi alterado no sentido de que o precatório é um direto de crédito e pode ser recusado pela Fazenda.

A par de todo exposto, a substituição e a compensação de precatórios com créditos vencidos e vincendos, quanto ás especificações em matéria tributária, apresenta elementos causídicos que, nos casos concretos levados ao Poder Judiciário a decidir, não significarão, de pronto, a impossibilidade da compensação e muito menos o oferecimento de garantia.

Trata-se de matéria que afronta o amplo acesso à proteção judicial definitiva, e determina a ingerência no Poder Judiciário, indicando a livre convicção sobre os fatos do caso concreto, recebam valoração que afronta o sistema constitucional de direitos e garantias individuais reconhecidos e assegurados às pessoas físicas e jurídicas.

O Superior Tribunal de Justiça-STJ, ao decidir dessa forma ofende o sistema e coloca em xeque a própria existência do Estado Democrático de Direito . ao qual há previsão de um núcleo mínimo de proteção, entre a qual se destaca o acesso à jurisdição.

A brilhante exposição das razões de fato e de direito do voto do brilhante Des. Magalhães Coelho no Agravo de Instrumento nº 999.10.373.090-9, demonstra que é inconstitucional não permitir a utilização do precatório como garantia de juízo com natureza análoga ao dinheiro, como forma de adimplemento do crédito tributário.

O que se percebe é que a legislação aqui suscitada, em conjunto com outras ações legislativas e administrativas, visa manter a arrecadação financeira governamental, de forma que as ações judiciais não diminuam o fluxo de recursos financeiros.curso especial, incidindo, na espécie, a Súmula 7/STJ.

Fonte: Tributario.net
 

Confira outras notícias

Este site pode utilizar cookies para segurança e para lhe assegurar uma experiência otimizada. Você concorda com a utilização de cookies ao navegar neste ambiente? Conheça a nossa Política de Privacidade.