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A Retratabilidade da Confissão de Débito Fiscal Decorrente de Erro de Direito

Não raro nos deparamos com defensores da teoria de que toda e qualquer confissão de dívida é irretratável, seja oriunda de uma relação jurídica de direito público, seja de direito privado. Os que assim pensam, por via de consequência, pugnam pela irretratabilidade de uma confissão de dívida para fins de parcelamento de débitos tributários.

Laboram em equívoco os que se filiam a esse entendimento, porquanto, esquecem que o Direito Tributário, diferentemente do Direito Civil, convive com realidades jurídicas absolutamente distintas e incomunicáveis. Tanto é verdade que, diferentemente das obrigações de direito privado, que nascem da vontade das partes (obligatio ex voluntate), o tributo, por excelência, só nasce por vontade da lei (obligatio ex lege).

Em outros termos, uma obrigação tributária é qualificada pela ausência do elemento vontade no suporte fático da incidência da norma de tributação, razão pela qual o tributo pode nascer independente ou até mesmo contra a vontade do sujeito passivo.

Mas não é só. Como ressalta com propriedade Dino Jarach, a relação jurídico-tributária – apesar de existir por força de lei – “exige, como requisito fundamental para o seu nascimento, que se verifiquem, na realidade fática, o fato ou os fatos definidos abstratamente, pela lei, como pressupostos da obrigação.” Ruy Barbosa Nogueira, abeberando-se nos ensinamentos de Mário Pugliese, bem sintetizou clássica premissa que alicerça todo pensamento acerca do tema: “a obrigação tributária é uma obrigação de estrito direito público, absolutamente indisponível quer por parte da administração, como por parte do contribuinte, não compromissível nem transigível.”

Logo, por sua natureza e motivações absolutamente distintas em relação às obrigações contraídas entre particulares, força convir que uma simples confissão de dívida, materializada através de um pedido de parcelamento, não traduz “irrevogável confissão de débito fiscal”.

Noutro giro verbal, um simples pedido de parcelamento de débito tributário apresentado à autoridade administrativa, a toda evidência, não tem eficácia modificadora da real situação jurídica do contribuinte. Equivale dizer: eventual confissão de dívida fiscal não faz cicatrizar vícios da cobrança de tributos ilegais ou inconstitucionais, nem mesmo sedimenta definitivamente os acessórios e suas fórmulas aritméticas que não estejam ajustadas à ordem jurídico-tributária.

Realmente, “pouco vale” uma confissão de dívida fiscal acompanhada de pedido de parcelamento se, em ato posterior, o contribuinte constatar que sua conduta e/ou operação econômica realizada não se subsumia à hipótese de incidência tributária abstratamente definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Quando afirmamos a insignificância de uma confissão defeituosa, nada mais queremos ressaltar senão a possibilidade de sua retratação, revogação, rescisão. É sobretudo teleológico o fundamento desse modo de proceder, já que obrigação tributária alguma pode encontrar em declaração errônea de vontade a sua causa determinante.

Trata-se de asserto que encontra abrigo no postulado da legalidade estrita. Com efeito, no âmbito fiscal (CF, art. 150, I), como é cediço, é a lei, pois, a verdadeira e única fonte formal originária de uma obrigação tributária. Toda atividade estatal voltada à exigência e arrecadação de um tributo deve pautar-se em lei formal e materialmente considerada, isto é, a vontade das partes, elemento nuclear de uma obrigação de direito privado é, nas obrigações de cunho tributário, substituído pela vontade da lei manifestada através da descrição in abstracto de sua hipótese de incidência.

Destarte, se é verdade que no Direito Privado tem plena eficácia uma confissão determinada por um erro de direito – prosperando em seu âmbito a ideia de que quem paga mal paga duas vezes -, não menos verdadeiro é o fato de que, no Direito Tributário, não se pode admitir que uma obrigação possa nascer sem causa jurídica determinante que a justifique, isto é, pela simples vontade das partes.

Eis a razão pela qual, no âmbito tributário, seja por erro de fato, seja por erro de direito, o tributo pago indevidamente comporta restituição (ou compensação com futuros recolhimentos). Considerar absolutamente irretratável um débito fiscal espontaneamente autodenunciado, implicaria em desautorizada atribuição de um caráter contratual estranho à denúncia espontânea.

Múltiplos são os fundamentos que obstaculizam toda e qualquer possibilidade da Fazenda Pública locupletar-se indevidamente em decorrência de errônea manifestação de vontade do contribuinte. Primus, ante a falta de justa causa (inexistência de uma origem legal válida e eficaz) capaz de fixar os laços da relação jurídico-tributária. Secundus, porque ninguém adquire direitos contra lei e/ou contrai obrigações à míngua da perfeita subsunção do fato a uma respectiva hipótese de incidência tributária.

Melhor dizendo, ou o tributo é devido porque a conduta praticada pelo contribuinte se subsume rigorosamente à hipótese de incidência prevista em lei, ou não o é! Não existe tributo sem lei que o estabeleça (CF, art. 150, I). Como que se igualando ao lendário Rei Midas, isto é, como num toque de mágica, não se pode admitir que um sujeito passivo, mediante enganosa confissão de dívida, encampe o “supremo poder” de transformar uma obrigação legalmente inexistente em um crédito tributário convencionalmente irretratável.

Nem se pense que tal modo de pensar vilipendiaria o próprio espírito da confissão de dívida, tornando-a absolutamente inútil à Administração Pública, haja vista que justamente em decorrência de sua eficácia é que ocorrerá a inversão do onus probandi, ficando a autoridade administrativa dispensada da produção de qualquer outro elemento probatório fático que originou o crédito que se reputa destoar da infração tributária equivocadamente confessada.

Com efeito, não estamos advogando a genuína ineficácia de uma confissão de débito fiscal, ao revés, apenas entendemos que, por sua própria natureza, a confissão enunciada na declaração tributária é sistematicamente limitada, a medida em que “vale na justa medida do seu conteúdo, isto é, como declaração de um fato, mas não como reconhecimento de uma relação jurídica.”

Não por outra razão é que o Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp. nº 1.202.871/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 17.03.2011), fiel a essa premissa, vem sedimentando o entendimento de que a “confissão de dívida para fins de parcelamento dos débitos tributários não impede a sua posterior discussão judicial quanto aos aspectos jurídicos. Os fatos, todavia, somente poderão ser reapreciados se ficar comprovado vício que acarrete a nulidade do ato jurídico.”

Pouco importa, por conseguinte, que o contribuinte, por engano quanto aos aspectos jurídicos, tenha realizado o pagamento de alguma prestação tributária, chegando até mesmo a manifestar sua intenção através de petição encaminhada à autoridade administrativa, confessando-se devedor e requerendo-lhe o deferimento do parcelamento do débito fiscal.

Revela-se igualmente insignificante o fato do contribuinte, por exemplo, ao solicitar o pagamento parcelado do enganoso débito fiscal, chegar a recolher algumas parcelas do quantum consolidado, pois, como é cediço, quem pode o mais, pode o menos. Ora, entremostrando-se irrecusável o direito à restituição do indébito tributário, fruto de uma exigência ilegal ou de um pagamento sem causa determinante, parece-nos inapelável que o sujeito passivo pode, a qualquer tempo (observado o lapso prescricional), discutir a legalidade ou legitimidade do crédito tributário, ainda que anteriormente haja “confessado” a sua condição de devedor, relativamente àquele mesmo crédito.

Raciocinar diferentemente, implicaria admitir a possibilidade de um Ente público locupletar-se às custas de singelo erro do administrado. Implicaria, pois, no destempero e total subversão de uma nota universal ínsita do tributo que, não discrepa a doutrina nacional e estrangeira, sobreleva-se como uma obrigação tipicamente ex lege. Nasce da lei e só dela se extingue.

Fonte: Tributario.net
 

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