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Guerra Fiscal ? uma abordagem econômica dos limites ao estorno de crédito

A Guerra Fiscal é tema que a muito ocupa tanto Estados quanto contribuintes, sendo muitos os argumentos constitucionais e legais para justificar ou repelir as limitações ao aproveitamento de crédito de ICMS, pelo adquirente de mercadoria, em operação interestadual, cujo remetente foi favorecido por benefício fiscal.

Sem sequer adentrar no mérito acerca da legitimidade desta limitação, se em consonância ou não com o princípio da não-cumulatividade, da força normativa da constituição e tantos outros, uma questão relevante se impõe: pode o Estado de destino, inclusive sob o ponto de vista econômico, pura e simplesmente limitar o aproveitamento do crédito pelo adquirente da mercadoria, sem que seja investigado o efetivo proveito do benefício fiscal concedido na origem?

A pertinência deste questionamento decorre do fato de que muitos destes benefícios fiscais, tidos por inconstitucionais, exigem do favorecido o estorno do crédito de ICMS a que faria jus em suas operações próprias.

A título de ilustração, tome-se a hipótese da concessão de um crédito presumido de 11% sobre as saídas realizadas, condicionado ao não aproveitamento dos créditos de ICMS “normais” (operação própria) pelo favorecido. Imaginando-se que, para aquele favorecido, o crédito de ICMS “normal” seria equivalente a 5% das saídas realizadas, por óbvio que o efetivo proveito econômico no benefício fiscal é de 6%, diferença entre o crédito presumido concedido e o crédito de ICMS “normal”.

Ocorre que, o Estado de destino, ao limitar o aproveitamento de crédito pelo adquirente, rotineiramente o faz considerando não o efeito econômico do benefício fiscal, mas sim o benefício fiscal per se. Aplicando tal premissa ao caso concreto, ter-se-ia a seguinte consequência: ao invés de estornar crédito de 6%, correspondente ao proveito econômico efetivo do fornecedor, o Estado de destino estorna credito de 11%, correspondentes ao crédito presumido integral, do adquirente.

A fim de que não pairem dúvidas acerca da efetiva ocorrência de situações tais quais a aqui ventilada, tome-se o tratamento dado pelo Estado de Minas Gerais ao benefício fiscal concedido pelo Estado do Espírito Santo à indústria metalomecânica.

Assim prevê o Regulamento do ICMS capixaba:

“RICMS/ES

Art. 530-L-F.  Ficam concedidos os seguintes benefícios à indústria metalomecânica:

II – crédito presumido de nove inteiros e três décimos por cento, nas saídas interestaduais de produtos não mencionados nos Anexos I e II do Convênio ICMS 52/91, devendo os créditos relativos às aquisições destes produtos ou dos insumos utilizados para a sua fabricação ser integralmente estornados;”

Como se constata, tem-se na prática precisamente a concessão de um crédito presumido, desta feita de 9,3%, condicionado ao integral estorno dos créditos relativos à aquisição, pelo fornecedor capixaba, dos produtos ou insumos por ele utilizados na fabricação da mercadoria. Evidentemente, a condicionante imposta à fruição do benefício fiscal reduz significativamente os efeitos do favor fiscal. Logo, a benesse não totaliza, 9.3%, mas sim a diferença entre estes 9,3% e o ICMS operação própria estornado.

Inobstante, ao supostamente combater a Guerra Fiscal, o Estado de Minas Gerais pura e simplesmente ignora a condicionante imposta, determinando, por meio do item 1.23, da Resolução 3.166/2001, o estorno integral do crédito presumido concedido pelo Estado de Espírito Santo. Veja-se:

Resolução 3.166/2001, do Estado de Minas Gerais

ITEM

MERCADORIA    
BENEFÍCIO

CRÉDITO ADMITIDO / PERÍODO

1.23

Produtos da indústria metalmecânica

Crédito presumido de 9,3%
(Art. 530-L-F, II do RICMS/ES e Decreto n.º 2.004-R/2008)    
2,7% s/ BC
NF emitida pela indústria a partir de 30/01/08

Por óbvio que tal procedimento não se sustenta, sendo ônus do Estado de destino, no caso de Minas Gerais, sempre que diante de hipótese em que o benefício fiscal concedido por outro Estado da Federação imponha condicionantes para sua fruição, apurar o efetivo proveito econômico do favor fiscal. É o que leciona Hugo de Brito Machado:

“O ônus da prova dos fatos em disputa no procedimento administrativo fiscal não é do contribuinte, como alguns afirmam. O ônus da prova, quanto ao fato constitutivo do direito, é de quem o alega. Aplica-se a teoria geral da prova, que está consubstanciada nas disposições do Código de Processo Civil. Ocorre que em face de indícios fortes da existência do fato gerador da obrigação tributária, capazes de autorizar a presunção de tal ocorrência, pode dar-se a inversão do ônus da prova. A não ser em tal circunstância, o ônus de provar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária é naturalmente do fisco.”[1]

Tal entendimento inclusive já foi acolhido pelo Conselho de Contribuintes de Minas Gerais, ao analisar precisamente o benefício fiscal concedido pelo Estado do Espírito Santo acima retratado. Na ocasião, de forma unânime pronunciou-se o CCMG:

“A redação do art. 107, inciso XXI do RICMS/ES, que vigorou de 1º de agosto de 2003 a 31 de agosto de 2008, previa um crédito presumido de 11% (onze por cento) nas operações interestaduais promovidas por estabelecimento comercial atacadista, o que legitima a admissão como crédito de apenas 1% (um por cento) do imposto destacado nas notas fiscais de aquisição da Autuada, como feito pelo Fisco.

No entanto, a partir de 1º de setembro de 2008, o benefício fiscal modificou-se com a introdução do art. 530-L-R-B do RICMS/ES. O contribuinte capixaba foi autorizado a estornar o percentual mínimo de 33% (trinta e três por cento) do montante do débito registrado em decorrência de suas saídas interestaduais.

A possibilidade de o percentual do estorno do débito ser maior que 33% (trinta e três por cento) dependeria da apuração dos créditos efetivamente escriturados no período, relativos às entradas de mercadorias ou bens no estabelecimento beneficiado, de modo que a carga tributária efetiva resultasse no percentual de 1% (um por cento).

O estorno de crédito promovido pelo Fisco mineiro no percentual efetivo do estorno do débito realizado pelo fornecedor da Impugnante dependeria, assim, de uma análise de sua escrita fiscal, o que não foi possível ao Fisco promover, dado se tratar de contribuinte de outro Estado.

Portanto, consoante inciso II do art. 112 do Código Tributário Nacional, deve o estorno de crédito se limitar ao percentual mínimo de 33% (trinta e três por cento) previsto na legislação do Espírito Santo, dada a ausência de informações acerca do efetivo percentual do estorno de débito praticado pelo contribuinte capixaba, fornecedor da Impugnante, adequando-se, por conseguinte, os valores relativos ao imposto e às multas de revalidação e isoladas exigidos a partir de 1º de setembro de 2008.”

Assim, no mínimo é exigível do Estado de origem, sem adentrar no mérito da constitucionalidade/legalidade da medida, que, ao limitar o aproveitamento de crédito de ICMS pelo adquirente de mercadoria, o faça nos limites do proveito ECONÔMICO do favor fiscal em tese combatido.

Do contrário, o que se tem é aumento da carga tributária a pretexto de combate à Guerra Fiscal.

Fonte: Tributario.net
 

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