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A Não Incidência do Imposto de Renda sobre os Juros de Mora Independentemente da Natureza Indenizatória do Montante Principal

É cediço que, além de encargos decorrentes de inadimplência, uma pessoa jurídica igualmente pode vir a receber, no exercício regular de suas atividades, juros e atualização monetária provenientes de depósitos judiciais e administrativos levantados ou mesmo de indébitos tributários.

Nesse contexto, cresce de importância saber qual o tratamento jurídico dispensável às rubricas retro mencionadas, à medida que resultará na sistêmica não incidência do Imposto de Renda, caso evidenciada a sua natureza indenizatória.

Com a devida licença dos que não comungam de igual pensar, consideramos obrar em equívoco os que pugnam pela não incidência do IR somente se os consectários da mora (juros de mora e atualização monetária) tiverem assento em verba principal igualmente de conteúdo indenizatório.

Diz-se isso, já que, com a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02 (Código Civil Brasileiro), a natureza indenizatória dos juros de mora deixou de ser uma simples concepção de alguns e passou à categoria de lei, com todos os efeitos impositivos que lhe são inerentes, consoante reconhecido pelo STJ no REsp. nº 1.037.452/SC (leading case), relatado pela Exma. Ministra Eliana Calmon.

Com efeito, como bem explicitado no trecho do voto da Ministra Eliana Calmon, proferido no REsp. nº 1.037.452/SC: “(…) a questão é simples e está ligada à natureza jurídica dos juros moratórios, que a partir do novo Código Civil não mais deixou espaço para especulações, na medida em que está expressa a natureza indenizatória dos juros de mora.”

Portanto, não há se falar em relação de causa-efeito entre o valor principal e os juros de mora, ao ponto de somente se imiscuir de cunho indenizatório a parcela dos juros moratórios vinculados a uma prestação principal também qualificável como de natureza indenizatória. Não se trata de simples aplicação do brocardo latino acessorium sui principalis naturam sequitur (o acessório sempre acompanha a natureza de seu principal). É sobretudo teleológico combatido raciocínio jurídico.

Essa conclusão pressupõe necessariamente o enfrentamento da questão de direito à luz da nova roupagem vincada aos juros moratórios pela Lei nº 10.406/02 (Código Civil Brasileiro) que, no parágrafo único do art. 404, luminosamente conferiu-lhe a conotação indenizatória, ao prescrever, in verbis:

“Art. 404 – As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único – Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.”

O valor pago em pecúnia a título de juros moratórios, portanto, tem por finalidade a recomposição do patrimônio, uma vez que a dívida não foi quitada no termo em que deveria ter sido honrada. Têm, conseguintemente, natureza jurídica indenizatória, pois não constitui acréscimo patrimonial, mas simples recomposição.

Recai o Imposto de Renda sobre a disponibilidade econômica e jurídica da renda e proventos de qualquer natureza, nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional, in verbis:

“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”

Eis que cumpre perquirir: os valores percebidos a título de juros moratórios (v.g, Taxa SELIC), para fins jurídico-tributários, são qualificáveis como típica aquisição de disponibilidade jurídica e econômica de renda, fruto do produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos e/ou como um “acréscimo patrimonial”?

Pedindo licença para responder tal indagação, parece-nos que a resposta é necessariamente negativa, vez que os juros moratórios genuinamente se prestam a indenizar àquele que não pôde dispor do valor a que fazia jus na época oportuna.

Nesse diapasão, veja-se o teor do art. 389 do Código Civil:

“Art. 389 – Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

Infere-se da norma legal que os juros moratórios têm por finalidade a recomposição do patrimônio, uma vez que a dívida não foi quitada no termo em que deveria ter sido honrada. Trata-se, pois, de verba de natureza indenizatória, sobre a qual não deve e não pode incidir o Imposto de Renda.

Neste sentido, cumpre trazer à transcrição as lições do Professor ORLANDO GOMES:

“Efeitos da Mora. O devedor que retarda injustamente o pagamento de dívida líquida responde pelos prejuízos que causa ao credor. Esta responsabilidade é o principal efeito que a lei atribui à mora.
Em se verificando a impontualidade, pode o credor exigir a prestação devida e a indenização do dano sofrido em consequência do atraso na execução.
[...]
Os prejuízos oriundos da mora apuram-se conforme as regras da liquidação das perdas e danos. Nas dívidas de dinheiro, as perdas e danos consistem nos juros convencionais ou legais, por isso mesmo denominados moratórios.”

Nessa cadência, insta consignar o disposto no inciso I, §1º, do art. 718 do RIR/99, bem como a regra plasmada no art. 19, §2º, inciso I, da IN SRF nº 15 de 2001:

RIR/99
Responsabilidade no Caso de Decisão Judicial
“Art. 718. O imposto incidente sobre os rendimentos tributáveis pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte, quando for o caso, pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o rendimento se torne disponível para o beneficiário.
§ 1º Fica dispensada a soma dos rendimentos pagos no mês, para aplicação da alíquota correspondente, nos casos de:
I – juros e indenizações por lucros cessantes;
II – honorários advocatícios;
III – remuneração pela prestação de serviços no curso do processo judicial, tais como serviços de engenheiro, médico, contador, leiloeiro, perito, assistente técnico, avaliador, síndico, testamenteiro e liquidante.”

IN SRF nº 15 de 2001:

Decisão Judicial
“Art. 19. O imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial deve ser retido pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento no momento em que, por qualquer forma, o rendimento se torne disponível para o beneficiário.
[...]
§ 2º Para fins da retenção do imposto, fica dispensada a soma dos rendimentos nos casos de:
I – juros e indenizações por lucros cessantes;
II – honorários advocatícios;
III – remuneração pela prestação de serviços no curso do processo judicial, tais como serviços de engenheiro, médico, contabilista, leiloeiro, perito, assistente técnico, avaliador, síndico, testamenteiro e liquidante.”

Como se vê, não só há precedentes pretorianos, como expressa disposição legal, no sentido de que o(s) valor(es) percebido(s) a título de juro(s) moratório(s), em decorrência de uma decisão judicial, não pode ser utilizado para fins de aferição da base dimensível do IR devido pela pessoa física ou jurídica.

A indenização representada pelos juros moratórios creditados/recebidos na província do Direito Tributário, a título de Taxa Selic, decorrentes de inadimplência, depósitos judiciais levantados ou a levantar e de créditos e tributos restituíveis ou a restituir, independentemente da natureza indenizatória do montante principal, corresponde aos danos emergentes, isto é, àquilo que o credor perdeu em face da mora debitoris. Não há, relativamente aos juros de mora (Selic ou outro indexador aplicável), qualquer conotação de riqueza nova e, por via de consequência, não há subsunção deste fato jurígeno à respectiva hipótese de incidência do imposto de renda.

A guisa de fecho, conforme preconizado pelo Superior Tribunal de Justiça (EREsp. nº 775.701/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, DJ de 01.08.2006), têm natureza indenizatória, a fortiori afastando a incidência do Imposto de Renda: a) o abono de parcela de férias não-gozadas (art. 143 da CLT), mercê da inexistência de previsão legal, na forma da aplicação analógica da Súmulas 125/STJ, verbis: “O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do Imposto de Renda.”, e da Súmula 136/STJ, verbis: “O pagamento de licença-prêmio não gozada, por necessidade do serviço, não está sujeito ao Imposto de Renda.” (Precedentes: REsp 706.880/CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 17.10.2005; REsp 769.817/PB, Rel. Min. Castro Meira, DJ 03.10.2005; REsp 499.552/AL, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ 19.09.2005; REsp 320.601/DF, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 30.05.2005; REsp 685.332/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 14.02.2005; AgRg no AG 625.651/RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ 11.04.2005); b) as férias não-gozadas, indenizadas na vigência do contrato de trabalho, bem como as licenças-prêmio convertidas em pecúnia, sendo prescindível se ocorreram ou não por necessidade do serviço, nos termos da Súmula 125/STJ (Precedentes: REsp 701.415/SE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 04.10.2005; AgRg no REsp 736.790/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 15.05.2005; AgRg no AG 643.687/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 27.06.2005); c) as férias não-gozadas, licenças-prêmio convertidas em pecúnia, irrelevante se decorreram ou não por necessidade do serviço, férias proporcionais, respectivos adicionais de 1/3 sobre as férias, gratificação de Plano de Demissão Voluntária (PDV), todos percebidos por ocasião da extinção do contrato de trabalho, por força da previsão isencional encartada no art. 6º, V, da Lei 7.713/88 e no art. 39, XX, do RIR (aprovado pelo Decreto 3.000/99) c/c art. 146, caput, da CLT (Precedentes: REsp 743.214/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 17.10.2005; AgRg no AG 672.779/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 26.09.2005; AgRg no REsp 678.638/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 03.10.2005; REsp 753.614/SP, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ 26.09.2005; REsp 698.722/SP, Rel. Min. Castro Meira, DJ 18.04.2005; AgRg no AG 599.930/SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 07.03.2005; REsp 675.994/CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 01.08.2005; AgRg no AG 672.779/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 26.09.2005; REsp 331.664/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 25.04.2005).

Fonte: Tributario.net
 

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