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Contribuições do STJ ao direito ambiental

Este ano, o Brasil vive importante momento na evolução do direito ambiental, especialmente dos mecanismos e instrumentos que buscam dar-lhe efetividade. Com o marco histórico dos 30 anos de edição da Política Nacional do Meio Ambiente a ser comemorado em agosto, assistimos à ebulição de discussões sobre a temática ambiental, tais como as que cercam a reforma do Código Florestal, a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos e a possibilidade de extensiva responsabilização ambiental, com base no conceito de poluidor indireto e na abrangente configuração do nexo causal. Em compasso com a evolução dessas discussões, vislumbramos a jurisprudência dos tribunais, particularmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao qual, no mais das vezes, cabe a solução das controvérsias geradas pela aplicação das normas ambientais.

Nesses 30 anos de evolução do direito ambiental brasileiro, não há como não notar a contribuição do STJ para a consolidação e efetivação da proteção ao ambiente. A começar, merece destaque o reconhecimento de diversos princípios de direito ambiental pelo STJ. O que antes restringia-se a delineamentos doutrinários, agora não raro materializa-se na aplicação do direito: prevenção, precaução, desenvolvimento sustentável, poluidor-pagador e função socioambiental da propriedade. Princípios cada vez mais informadores da jurisprudência do STJ.

Outras questões também se encontram há tempos consolidadas nos julgados do tribunal. Em consonância com as normas vigentes, o STJ reconhece a responsabilidade civil ambiental como objetiva, solidária e baseada na teoria do risco integral. Da mesma forma, todas as consequências que esta responsabilidade acarreta são reiteradamente confirmadas pelo tribunal. É o caso, por exemplo, da responsabilidade objetiva do Estado por omissão no exercício do poder-dever de fiscalizar e da possibilidade de extensão da responsabilização sobre todos os integrantes de uma dada cadeia produtiva, o que tem respaldado uma contundente atuação do Ministério Público junto ao agronegócio.

Não faltarão controvérsias a serem solucionadas pelo tribunal
A respeito desses exemplos, válido destacar que a responsabilidade do Estado por omissão encontra ainda mais força em julgado de 2005, que reconhece a solidariedade entre todas as esferas federativas, e de 2009, que admite a responsabilização do Estado mesmo quando há fiscalização, mas esta revela-se ineficiente e incapaz de sanar sua omissão. Por sua vez, o alcance da responsabilização civil por danos ao ambiente foi claramente delineado em emblemático precedente de relatoria do ministro Herman Benjamin, que categoricamente afirma que "para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano ambiental, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, e quem se beneficia quando outros fazem".

Outra contribuição do STJ foi a consolidação da percepção de que, sob a égide da Constituição de 1988, a propriedade, além de possuir determinada função social, ostenta uma função ecológica. A propriedade, que antes abarcava somente a limitação ao seu uso nocivo em relação ao direito de vizinhança, preponderantemente de perspectiva privatista, agora compreende também limitações que demandam estrita observância às normas de proteção ao ambiente.

Esta percepção é particularmente importante, pois é a partir dela que se entende que as limitações advindas de normas ambientais integram a própria essência do direito de propriedade. Assim, tal direito somente poderá ser legitimamente exercido com a observância dessas normas, decorrendo daí os entendimentos também consolidados sobre a inindenizabilidade de áreas de preservação permanente e reservas legais (quando não regularmente exploradas), bem como a responsabilidade "propter rem", no sentido de que a obrigação de proteção e recuperação ambiental acompanha o título de propriedade. Assim, o adquirente de um imóvel pode ser responsabilizado por danos ambientais que não tenham sido por ele perpetrados.

A despeito de todas essas contribuições ao desenvolvimento do direito ambiental, não há dúvidas de que o tribunal superior ainda tem diversos desafios a enfrentar. Observamos, atualmente, a incursão da Corte em questões de fronteira, que, apesar de ainda não consolidadas, já demonstram o caminho que deverá ser trilhado. Vale citar o entendimento a favor da imprescritibilidade da ação que busca reparar dano ambiental, as discussões a respeito da inversão do ônus da prova nas ações civis públicas ambientais e respectiva inversão do ônus de custeio de despesas periciais, e a indefinição acerca da admissibilidade do chamado dano moral em matéria ambiental. No mesmo sentido, há que se ressaltar a atuação do tribunal em questões sobre competência executiva em matéria ambiental, seja no âmbito da atividade fiscalizadora, seja da atividade licenciadora, por conta da inexistência de lei complementar que regulamente o tema.

Vê-se que, além de ter diretamente contribuído para o desenvolvimento do direito ambiental brasileiro nos últimos anos, o STJ continua firme em sua tarefa de enfrentar os novos desafios que se apresentam. Com 30 anos da Política Nacional de Meio Ambiente, certamente o cenário vislumbrado é que, nos próximos 30 anos, não faltarão controvérsias a serem solucionadas pelo tribunal.

Luiz Gustavo Escorcio Bezerra e Gedham Medeiros Gomes são, respectivamente, professor de direito ambiental da UERJ e responsável pela área ambiental do Tauil & Chequer Advogados - associado a Mayer Brown LLP; e advogado da área ambiental do mesmo escritório

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Valor Online

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